Minha História

O “Projeto Fale Certo – Linguagem Inclusiva tem o propósito de levar para escolas, empresas e sociedade como um todo a compreensão de que precisamos nos atentar para o bullying, o capacitismo, o etarismo, racismo, a homofobia e todas as formas de preconceito.

O ano era 1987. Eu, meu então marido e minha filha Laura, então com três anos, esperávamos ansiosos pela chegada da segunda bebê que completaria nossa família feliz.

Éramos um casal classe média mais para alta, com bons empregos, casa própria e uma filha esperta e saudável.

Aos sete meses de uma gravidez tranquila e sem intercorrências, um exame de ultrassom, sem grandes recursos, nos revelou que estava tudo bem, era uma menina e a chamamos de Beatriz — “a que traz alegrias”.

Ela chegou em 12 de maio, véspera do Dia das Mães e da Mãe Maior, Nossa Senhora de Fátima.

Veio pequena, cabeluda, sem o choro que anunciaria sua chegada e… sem ar.

Seus olhos pretos e enormes me pediam respiro e eu lhe dizia: “Resista”!

E assim entre paradas cardíacas, aflições e o diagnóstico de uma síndrome ainda não identificada, passamos os primeiros dias.

Eu sequer sabia o que era síndrome e quais suas consequências, mas minha prioridade estava na vida da minha filha. Até que …

Ao levar Laura à escolinha, no primeiro dia que me atrevi a olhar a rua, encontro uma colega da empresa, que sem cerimônia foi logo dizendo:

— O que houve com sua filha? No serviço estão dizendo que ela é RETARDADA!

O efeito que esta palavra causou em mim foi devastador. Em minutos percebi o mundo preconceituoso e cruel que esperava por Beatriz e que a mim caberia a função e responsabilidade de oferecer a ela uma vida digna.

A palavra ‘retardada’ grudou em mim como extensão da pele. Incansavelmente eu repeti: “Retardada, filha retardada…”

Então fui ao dicionário: “‘retardada’, aquela que tem atraso físico, verbal e intelectual. Atrasada.”

Era isto. Pelo diagnóstico da síndrome, que me foi apresentado, Beatriz teria atraso mental, não seria verbalizada e talvez atraso motor (o que não se concretizou).

Sim. Minha filha era uma criança ‘retardada’.

Foi quando percebi que a palavra não era negativa nem desqualificava ninguém. Ela foi transformada em xingamento e preconceito, como muitas outras palavras desta nossa cultura exclusivista.

A partir deste episódio passei a explicar como palavras e expressões mal faladas podem causar grandes sofrimentos. E assim nasceu o “Projeto Fale Certo – Linguagem Inclusiva”, que tem o propósito de levar para escolas, empresas e sociedade como um todo a compreensão de que precisamos nos atentar para o bullying, o capacitismo, o etarismo, racismo, a homofobia e todas as formas de preconceito.

A Síndrome da Beatriz se chama Rubistein-Taibi, ela viveu feliz, me fez feliz e seu voo, rumo ao infinito, se deu em 31 de agosto de 2018.

 

Odette Castro – é autora de “Rubi”, “Na beira do mar o amor disse ‘oi’” e crônicas do cotidiano. Ativista da inclusão e criadora dos projetos “Fale Certo — Linguagem Inclusiva” e “Uma flor por uma dor”.

 

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