O Lulinha Paz e Amor morreu mesmo naquela cadeia de Curitiba em que passou 580 dias. Mas o Lula que falou aos brasileiros neste sete de setembro também não foi o sujeito amargo e avesso a entendimentos que saiu da carceragem da Polícia Federal. Nesses dez meses, Lula parece ter ruminado e digerido a mágoa para ressurgir em sua essência, a do político capaz de se identificar com o sentimento da maioria dos deserdados e se comunicar com essas pessoas. Esse Lula reinventado não mostra mais as covinhas no sorriso fácil, mas ainda enverga o figurino do líder de massas ao discorrer sobre os principais tormentos dos brasileiros.
Lula bateu duro e forte no governo Bolsonaro. Disse, por exemplo, que o atual presidente transformou em “arma de destruição em massa”o coronavírus — que, apesar da vontade de muita gente, continua sendo o principal drama brasileiro neste momento. Falou especialmente das mortes de pobres e pretos, mas também das normas da OMS que a classe média vê serem desobedecidas diariamente.
O ex-presidente delimitou suas fronteiras ideológicas ao atacar as elites conservadoras, “os que se julgam donos do Brasil” que, segundo ele, nunca se conformaram com o processo de ascensão social dos pobres e acabaram levando Jair Bolsonaro à presidência. Foi quando, prosseguiu, “milicianos, atravessadores de negócios e matadores de aluguel saíram das páginas policiais e apareceram nas colunas políticas”. E não esqueceu de se dirigir a um largo público ao afirmar que “o povo não quer comprar revólveres nem cartuchos de carabina, o povo quer comprar comida”.
LULA EM 2022
Ao se colocar à disposição para “juntos reconstruir o Brasil”, lembrando sua “longa vida”de 75 anos, Lula deu seu recado principal no plano político. Se não for impedido pela Justiça, estará na cédula de 2022, para horror daqueles que, tantas vezes, acharam que haviam matado a jararaca quando a viram ressurgir.
Junto às forças de centro-esquerda, o discurso foi bem recebido, a ponto de o governador do Maranhão, Flavio Dino, um claro pré-candidato em 2022, ter dito que, se Lula for candidato, ele o apoiará. Outros sentiram falta de um chamado mais direto a um diálogo que leve à união desse campo — sem a qual ficará difícil enfrentar eleitoralmente o bolsonarismo. E esse deve ser o próximo capítulo da saga do Lula reinventado: não basta dar o toque de unidade, é preciso agora deixar mágoas de lado e conversar com o resto da oposição.