O maior recado da entrevista do ex-presidente Lula nesta sexta, na cadeia, à Folha de S.Paulo e ao El País foi ele mesmo: preso ou não, Lula está voltando à cena política inteiro, com discurso afiado, confirmando sua liderança no PT e retomando o comando da oposição no país – que, ao longo dos últimos tempos, vem fazendo pálida figura. Está no jogo.
O fato de, nesta manhã, ter conseguido levar para o ringue o presidente Jair Bolsonaro, que retrucou a afirmação de que o Brasil está sendo presidido por “um bando de malucos” dizendo que pelo menos “não é um bando de cachaceiros” mostra isso.
Onde vai dar, impossível prever – até porque Lula está preso e é inelegível. Embora parte da mídia “mainstream” tenha optado pela estratégia de avestruz, ignorando a entrevista, sua penetração nas redes e na mídia internacional é crescente e inevitável. Há dezenas de pedidos de diversos órgãos na Justiça para novas entrevistas, e, depois do precedente, vai ser difícil encontrar um pretexto jurídico convincente para negá-las agora.
É provável que, em pouco, todo mundo tenha que se acostumar a um novo ambiente político, com Lula falando – e, pelo que se vê, Bolsonaro respondendo.
Falando, talvez, o que muita gente pensa, sem avançar demais. A afirmação de que o país está sendo governado por um “bando de malucos”, por exemplo, tem certamente a concordância de muita gente além do círculo petista ou da esquerda.
É bom notar: em nenhum momento Lula questionou a legitimidade de Jair Bolsonaro como presidente da República, nem radicalizou o discurso, falando em impeachment ou coisas parecidas. Só disse que ele não vai “perdurar” se não fizer um partido forte – quase uma obviedade. Nesse quesito, o ex-presidente parece apostar no tempo e no desgaste crescente do governo.
Lula também não atacou os militares – ao contrário, disse que quando sair da cadeia quer conversar com eles para descobrir por que detestam tanto o PT se, em seu governo, fez tantas concessões às Forças Armadas. Falou em autocrítica e em corrupção, mas alfinetou as elites “que ganharam tanto dinheiro no governo do Lula” sem passar do ponto.
E preencheu uma lacuna do debate até então inconclusivo sobre o fato de ter demorado tanto, no ano passado, a desistir oficialmente de sua candidatura e ungir Fernando Haddad como substituto: ao ir para a cadeia, tinha pareceres de advogados que garantiam que poderia concorrer a presidente mesmo estando preso. Isso mostra que, mesmo os sujeitos mais espertos politicamente se enganam.