Na política costuma valer o ditado que apressado come cru. Na segunda-feira (10), o governo Lula, entre saltos e sobressaltos, completa 100 dias. Avançou na remoção de entulhos deixados por Bolsonaro, mas ainda não deslanchou enquanto governo. É nesse contexto que chama atenção a entrevista de José Dirceu à Rede TV na noite da quinta-feira (6). Ele pegou a corda na pergunta sobre a reeleição de Lula e a esticou: “Eu penso em 12 anos, três governos, para um projeto de desenvolvimento nacional, porque o Brasil precisa fazer, em 10 anos, 100 em matéria de ciência, tecnologia e educação”.
Esclareceu que para o terceiro mandato o candidato não seria necessariamente do PT, mas, sim, da frente costurada pelo partido no segundo turno nas eleições de 2022. Quando Lula não está no páreo, a tradição no PT é de se mostrar aberto a alternativas de aliados, mas sempre impor seu próprio candidato. José Dirceu que, após a primeira eleição de Lula em 2002, chegou a prever que o partido ficaria 20 anos no poder, até fez graça com isso, dizendo que o novo governo de Lula confirma sua previsão de cinco mandatos petistas. Sua nova previsão é de mais 12 anos.
Como sempre, Dirceu disse estar falando em nome pessoal. Quem conhece a sua influência na máquina partidária petista avalia que ele jogou essa carta agora com alguns objetivos. Um deles é abrir uma perspectiva de longo prazo para a militância insatisfeita com algumas “concessões à elite financeira” na política econômica tocada por Fernando Haddad. Esse é o seu lado pragmático. O outro é que Dirceu sempre pensou e pregou, inspirado em velhos bolcheviques, que mais importante que ganhar o poder, é mantê-lo. De preferência, como mostram ditaduras mundo afora assim inspiradas, indefinidamente.
Na campanha eleitoral, antes do segundo turno contra Jair Bolsonaro, Lula afirmou que “se eleito, serei um presidente de um mandato só”. Depois da posse, mudou a prosa. Disse que se “estiver com saúde” pode disputar um novo mandato. Não foi surpresa. Mesmo candidatos com intenção de cumprir essa promessa de campanha, quando assumem no mínimo mantém o suspense com o pretexto de preservar autoridade.
Esticar o poder aqui e alhures sempre foi uma obsessão em todos os tempos de quem chega lá. Depois da Constituinte, em que o principal debate foi o tamanho do mandato de José Sarney, Fernando Collor foi eleito já planejando um longo futuro. Foi abatido pelo impeachment. Itamar Franco assumiu e, mesmo com alta popularidade conquistada por bancar o Plano Real, não topou nenhuma sugestão para mudar a Constituição e conquistar outro mandato. Foi uma saudável exceção à regra.
Seu sucessor, Fernando Henrique Cardoso, que também surfou no Plano Real, moveu mundos e fundos para abrir caminho legal para sua reeleição, uma estratégia em que o então ministro Sérgio Motta, o Serjão, também previa 20 anos de poder pro tucanato. Não foi só o PT que embarcou nessa mesma ilusão.
Mal assumiu o governo, Jair Bolsonaro passou a falar e governar focado em sua reeleição. Chegou a dizer que ainda precisaria de mais outros quatro anos de governo aliado para desmanchar a herança de petistas e tucanos. Essa ambição, somada ao medo de ser preso, o fez ultrapassar todos os limites legais. O sonho ficou ainda mais distante com a abertura pós eleição de sua caixa-preta que, além de joias milionárias, contêm provas de seus malfeitos, que podem, além de torná-lo inelegível, passar uma temporada na cadeia.
Ainda que a prisão nem sempre esmoreça o projeto de poder de quem tem liderança popular — sem entrar no mérito das enormes diferenças com Bolsonaro –, como mostram as trajetórias de Lula e de José Dirceu.
A conferir.