Espanta que exato um mês depois do assalto golpista ( 08 de janeiro) às sedes dos Três Poderes da República, as elites políticas e empresariais e toda a mídia se digladiem em torno do que parece ser um factoide. Críticas aos juros altos, merecidas, se diluem nos reiterados ataques do presidente Lula à autonomia do Banco Central. Tem algo fora de foco.
O que motiva essa intensa ofensiva? Desconfiança de que o BC, sob a batuta do presidente Roberto Campos Neto, já sabota a política econômica mal esboçada do novo governo? Ou uma penca de hipóteses, como históricas pregações petistas, cálculo político, vacina contra resultados econômicos adversos, e até cortina de fumaça para as transações com o Centrão na montagem de sua base política? Tudo serve como justificativa para os ataques de Lula. Pode ser uma coisa ou outra, ou até tudo junto e misturado.
A discussão sobre o custo benefício de taxas de juros tão elevadas, que em vez de remédio podem funcionar como veneno para a economia brasileira, não pode ser pauta apenas do Banco Central, que toda semana em uma prática saudável troca figurinhas com o mercado financeiro. Quanto mais amplo, melhor o debate. Sem bulir no papel do Banco Central de autoridade monetária, que é sua principal atribuição e razão de ser.
Nessa quarta-feira (8), Lula voltou a se queixar do BC em reunião no Palácio do Planalto com líderes e dirigentes partidários de sua base política. Após o encontro, alguns aliados saíram propondo que o Congresso convoque Campos Neto. “Acho positivo que o presidente do BC vá ao Congresso Nacional e explique o inexplicável: essa taxa de juros colocada e essa permanência dos juros em patamar tão elevado”, afirmou Zeca Dirceu, líder do PT na Câmara.
Outros participantes da reunião com Lula sopraram trombones mais desafinados, até com sugestões esdrúxulas como a destituição do presidente do BC pelo Conselho Monetário Nacional, sem nenhuma acusação que a justifique, exceto a inflação elevada que ele justamente tenta combater. Os demagogos de sempre também bateram ponto: “O BC não pode ser o Vaticano que está dentro da Itália, mas quem manda é o Papa. O Banco Central não pode ser dirigido pela Faria Lima”, atacou o deputado Paulinho da Força, presidente do Solidariedade, pegando carona na onda governista e propondo “enquadrar” Campos Neto.
Coube ao ministro Alexandre Padilha, das Relações Institucionais, baixar a bola, supostamente em nome do governo. Afirmou que não há nenhuma pressão do governo para que o Senado antecipe o fim do mandato de Campos Neto, que se encerra no fim de 2024. “Não existe qualquer discussão dentro do governo de mudança na atual lei do Banco Central, qualquer discussão de mudança da autonomia que estabelecida na lei do Banco Central”, assegurou Padilha.
Se é tudo espuma, por que o governo não foca nas promessas de apresentar até abril uma âncora fiscal confiável e uma proposta de reforma tributária pra corrigir uma legislação caótica e injusta? Se fizer esse dever de casa, conquista cacife pra outras mudanças, inclusive sobre o papel do Banco Central. Mas, sem gastar o cacife eleitoral em tentativas que pareçam redução das taxas de juros à fórceps, e tornam muito mais caras as batalhas decisivas em um Congresso mais guloso. É uma questão de opção.
A conferir.