Lula atiça o fogo, tropeça nas chamas entre instituições, e vai pra China

Com o governo acuado pela briga entre a Câmara e o Senado, Lula imita Bolsonaro e dá tiros no pé como no disparo contra Moro que atingiu Dino e a PF e a ameaça de cassar o presidente do BC

Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, visita o Complexo Naval de Itaguaí, na região metropolitana do Rio de Janeiro - Foto Tânia Rêgo/Agência Brasil
Bolsonaro viajou aos Estados Unidos em avião presidencial – Foto Reprodução

Do ponto de vista literal, o título desse texto seria mais adequado às circunstâncias da fuga de Bolsonaro para os Estados Unidos. Quando, em vez de uma virada de mesa, conseguiu a unidade das instituições da República contra a  canhestra tentativa de um golpe de estado no domingo 8 de janeiro. Foi tudo o que Lula precisava para ter uma trégua e baixar a bola no acirrado conflito interno. Mas, surpreendentemente, ele vem optando pelo mesmo caminho de desatinos verborrágicos de Bolsonaro.

Na manhã dessa quinta-feira (23), com um boné da Marinha do Brasil, Lula surtou no Rio de Janeiro, durante visita ao Complexo Naval  de Itaguaí, e com ar de deboche, fez um inusitado ataque a Sérgio Moro que errou o alvo e acertou seu próprio ministro da Justiça, Flávio Dino, e a Polícia Federal. Com uma risadinha cheia de fel, Lula levianamente afirmou:

Senador Sergio Moro – Foto Lula Marques/ Agência Brasil

— Eu acho que é mais uma armação de Moro. Quero ser cauteloso, é visível que é uma armação do Moro, mas eu vou pesquisar e vou saber porquê da sentença. Até fiquei sabendo que a juíza não estava nem em atividade quando deu o parecer para ele, mas isso a gente vai esperar. Eu não vou ficar atacando ninguém sem ter provas. Eu acho que é mais uma armação e, se for mais uma armação, ele vai ficar mais desmascarado ainda. Aí eu não sei o que ele vai fazer da vida, se ele continuar mentindo do jeito que está mentindo.

Atropelou assim todo o esforço do governo e de líderes no Congresso para remediar sua pisada na bola ao revelar, em entrevista ao vivo no Brasil 247, seu desejo desde os tempos da cadeia de “foder” Sérgio Moro. Isso um dia antes de uma grande operação da Polícia Federal para evitar um atentado armado pelo PCC ao hoje senador Moro, à sua família, e a outras autoridades da linha de frente do combate a maior facção do crime organizado no Brasil.

Virou piada a mensagem do canal oficial do presidente Lula no Telegram. “Sem rancores e farpas. Aqui tem trabalho. A PF de Lula salva Moro e essa operação prova por A mais B que União e Reconstrução vai além disso”. Foi o menor estrago.

Ministro da Justiça, Flavio Dino, durante coletiva no Ministério da Justiça – Foto Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

O maior, além de dar palanque a Moro e outros adversários, foi jogar por terra as entrevistas de Flávio Dino, da Polícia Federal e do ministro Alexandre Padilha e aos discursos dos líderes governistas no Senado em defesa da seriedade da operação, numa tentativa de minimizar o estrago da entrevista ao 247. Foi também um contraponto aos ataques bolsonaristas nas redes sociais, em que há tempos exploram a narrativa de ligações do PT com o PCC.

Em outro trecho da entrevista no complexo naval, Lula atiçou fogo em outra polêmica. Evidente que ele e outros defensores da queda da taxa de juros têm bons argumentos contra a teimosia do Banco Central em não reduzí-la enquanto o governo não mostrar cartas confiáveis no baralho do ajuste fiscal. Em novo desatino verbal, Lula, além de acusar o presidente do BC, Roberto Campos Neto, de não respeitar a lei da autonomia do banco, insinuou a cassação de seu mandato pelo Senado Federal. Mas uma hipótese para agradar petistas sem a menor chance de aprovação e que, na prática, favorece especuladores e só lhe causa desgaste.

Presidentes da Câmara e do Senado, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco – Foto Marcos Corrêa/PR

No meio de toda essa confusão, a articulação do governo para conseguir uma base parlamentar com um mínimo de solidez, apesar de todas as concessões, parece empacada. Pior. Suas medidas provisórias que deram largada à formação do governo estão correndo sério risco por causa da queda de braço cada vez mais acirrada entre Rodrigo Pacheco e Arthur Lira sobre as regras pra sua tramitação, o que pode virar uma crise institucional.

Jair Bolsonaro – Foto Orlando Brito

Depois de acuar Bolsonaro e passar a mandar e desmandar em seu governo, Arthur Lira quer repetir a dose com Lula. O PT chegou ao governo dizendo que a prosa era outra. Negociou mal com Lira e agora não sabe como sair dessa armadilha.

No meio dessa encrenca, algumas provocadas por ele mesmo, Lula embarca com uma megacomitiva pra China, uma viagem que bem aproveitada, e sem declarações desastradas, pode render bons frutos para o Brasil. Mas todas as confusões que aqui deixou abriu uma janela de oportunidade para o fujão Bolsonaro, que já anunciou a volta ao Brasil para o dia 30 de março quando Lula ainda estará na China.

A conferir.

 

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