Uma história repetida pela metade é porque a princesa Isabel foi chamada de “A Redentora”. Certamente porque assinou a Lei Áurea, mas também por sua longa militância no movimento abolicionista, desde a década de 1870.
O casal imperial participava ativamente da campanha pela abolição da escravatura, ao lado de Joaquim Nabuco, José do Patrocínio, André Rebouças, Luís Gama e outros. O marido dela, o conde D’Eu, em 1870, quando era comandante militar da ocupação militar no Paraguai, mandou à assembleia constituinte convocada para instalar o novo governo uma ordem para dar meia volta e incluir na constituição um artigo abolindo e proibindo a escravidão naquele País (de fato, poucos sabem que no governo Solano Lopez havia escravidão e que os cativos foram mandados para a frente de batalha).
Foi um ato voluntarista que pegou muito mal no Rio de Janeiro. O conde foi acusado de estar manipulado pelos militares do general Osório, majoritariamente integrantes do Partido Liberal. Foi um escândalo, algo tão grave para o situacionismo do Partido Conservador como hoje seria ser acusado de comunista nas redes sociais.
A própria Lei Áurea foi um desafio à coragem política da princesa. As bancadas escravistas esperavam que ela não teria coragem de sancionar um ato tão grave, na ausência de seu pai, o Imperador Pedro II, que se encontrava no Exterior. Isabel era apenas regente, algo como vice-presidente em exercício durante uma viagem internacional do presidente da República. A expectativa seria que ela vetasse ou, no máximo, aguardasse a volta do imperador.
Se ela deixasse a Lei Áurea em cima da mesa, esperando a volta do rei, seria motivo de chacota, ficaria desmoralizada, com o bumbum de fora. Entretanto, Isabel não titubeou: pegou a pena de ganso a tascou o jamegão.
As fotografias mostram uma cidade do Rio de Janeiro em festa, pois o abolicionismo foi um movimento mais popular e empolgante que a Campanha das Diretas, 100 anjos depois. Porém, a sofreguidão da herdeira do trono lhe custou a perda da Coroa. Pouco mais de um ano depois ela estava a bordo de um navio, para se juntar à penca de monarcas destronados que habitava Paris.
Certamente Isabel, já traquejada na política, percebia que não seria rainha. O movimento republicano entre os militares positivistas era um prato cheio para as lideranças civis aplicarem um golpe de estado no “ansien régime”.
A queda da monarquia interrompeu o projeto da princesa e de seus aliados, de fazer uma espécie de reforma agrária nos estados produtores de café, onde se concentrava a maior parte da população escrava ligada à produção. Com a proclamação da República, o grupo dos abolicionistas foi desativado e seus projetos esquecidos. Aliás, parte deles seguiu para o exílio em solidariedade à princesa Isabel. E até hoje os descendentes dos ex-escravos se queixam que foram esquecidos (na época cerca de 800 mil, ou seja, 10% da população). Ficou a dívida.
Outra área de resistência era de pequenos proprietários de escravos nas grandes cidades (Rio, Recife, Salvador e São Paulo), que investiam na compra de profissionais cativos para aluguel de mão de obra. Essa era a renda principalmente de viúvas, como, nos anos 1950, até à abertura do mercado de telecomunicações, de donas de pencas de linhas telefônicas para aluguel.
Isto era tão corriqueiro, que a Receita Federal obrigava os contribuintes a declararem o número de seus telefones em seus nomes. Assim era com escravos urbanos nos dias da abolição. Foi um baque nas receitas dessa classe média e um tiro de canhão no apoio político à monarquia.
Se fosse hoje, diriam que a Lei Áurea foi uma armadilha que apresentada à princesa e que ela não só mordeu a isca como deixou-se arpoar. Perdeu o trono, mas deu um troco a seus adversários que lhe impuseram sucessivas derrotas parlamentares e garantiu seu lugar na História.
O regime monarquista estava no fim. Com isto, o segundo reinado fechou com chave de ouro, redimindo-se de seu pecado original que recebeu de seu avô Pedro I. E o 13 de maio virou uma grande, denominando equipamentos culturais, como teatros, parques, escolas e, ainda uma das grandes datas, contra ou a favor.