Parece clichê ou lugar comum dizer que tudo tem algum limite. Na física, na química, na biologia isso pode ser avaliado por critérios científicos, muitas vezes antes até de suas consequências. Na política pode ser previsível antes, durante e depois dos prejuízos causados no que se convencionou chamar de engenheiros de obras feitas. Mas é justamente nessa condição desvairada que o país atônito e revoltado assiste a antigestão da pandemia por um presidente negacionista e sua equipe completamente perdida. Poderia ser cômico se não fosse tão trágico.
O que de novo acontece em Manaus, com toda sua barbárie, é a inusitada aposta num para raios de mentiras que não consegue evitar que o raio caia pela segunda vez no mesmo lugar. Parece inacreditável, mas foi o que aconteceu. Quando ficou evidente uma segunda onda lá, que até o incompetente governo do estado tentou combater, o clã Bolsonaro e seu séquito estimulou e comemorou a derrubada de restrições necessárias. Seria apenas mais uma tolice se não pautasse ações e omissões do governo federal.
Cumprindo missão presidencial como ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, baba ovo em lives amalucadas de Bolsonaro nas redes sociais, fez em Manaus mais um papel ridículo. Tido e havido na bolha bolsonarista como especialista em logística e conhecedor da Amazônia, de novo pagou mico. A pedido do patrão, foi lá vender cloroquina de um estoque encalhado nos laboratórios do Exército, que produziram esse medicamento para malária em grande escala para a Covid-19 sem nenhuma evidência científica. O Exército atendeu mais um capricho de Bolsonaro em sua insana e criminosa guerra contra a ciência e a vida.
Pior é que Pazuello passou batido ou escamoteou tamanha falta de oxigênio nos hospitais públicos, necessidade essencial para toda doença de crise respiratória. Imaginem para a mais grave delas. O governo tratou de maneira burocrática uma crise humanitária, que assombrou o Brasil e o mundo inteiro. É uma coincidência triste que essa displicência e caos estejam ocorrendo na capital do estado brasileiro reconhecido mundo afora como o principal pulmão de oxigênio do planeta. Pode até soar como maldade, mas não tem como não somar esse descaso ao desastre na preservação da floresta amazônica, com incêndios, desmatamentos, mineração ilegal e outros crimes estimulados por políticas e gestos dos que deveriam comandar o seu combate.
Aqui e acolá, a conta tá chegando em todo o país. A política de desprezo e de preconceito com as vacinas contra a Covid-19 empacou em inaceitáveis improvisos de quem arrogava ter tudo sobre controle. A hora H do dia D não depende mais deles. A incúria os deixou — e a todos nós — na mão. Tão pagando mico com a única vacina em que apostaram todas as fichas. Essa imprudência expôs o governo ao ridículo de anúncios fracassados e apelos em vão a Índia para receber um cartão de visita para a imunização. Correm atrás do prejuízo em busca de uma foto com suposto ganho eleitoral. Nada mais patético.
O Brasil teve presidentes ruins, nenhum em períodos democráticos que cometesse tantos crimes. Os impinchados Fernando Collor e Dilma Rousseff caíram por motivos e causas diferentes, mas nenhum deles, por mais estragos que confisco, corrupção e recessão tenham causado, atentou como Bolsonaro contra a vida das pessoas.
A verdade é que temos um presidente da República em pleno exercício no cargo que acha natural cometer crimes contra a saúde pública e o uso do estado em seu benefício próprio. Seu jogo escancarado é colocar as instituições públicas a seu serviço. Seu propósito é dominar as Forças Armadas, Ministério Público, Abin, Polícia Federal, Receita Federal, entre outros órgãos estatais. Aposta agora em neutralizar a Câmara e o Senado. E, mais adiante, o Supremo Tribunal Federal. Tudo para se salvar, a seu clã e aos parças da turma.
Como seu inspirador Donald Trump, que inventou uma fraude eleitoral a partir da votação pelos Correios, opção tradicional nos Estados Unidos em que ele sempre votou, o discípulo aqui ameaça virar a mesa se perder as eleições de 2022 nas urnas eletrônicas. Por mais que pareça ridículo, dito por um presidente da República tem que ser levado a sério. É ameaça de golpe, mais um agravante a tantos motivos de impeachment.
Difícil é convencer Davi Alcolumbre, presidente do Senado e aliado de Bolsonaro, a suspender esse inexplicável recesso do Congresso Nacional.
A conferir.