Em entrevista exclusiva a Os Divergentes, o líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), um dos poucos que conseguiu se reeleger em 2018, diz que o partido fez apenas uma autocrítica genérica sobre os episódios que o marcaram nos últimos anos como os escândalos de corrupção envolvendo governos petistas.
Para conseguir se reerguer, ele defende que o partido faça uma “inflexão política” mudando a comunicação com várias forças políticas, inclusive de centro. Costa reconhece que esse dialogo está “interditado” pela política de confrontos adotada pelo partido. “Muita gente não quer conversa com o PT. Essa relação tá interditada porque a política que a gente tem levado é de muito confronto. Estamos levando tudo para o confronto. É confronto com judiciário, é confronto com tudo”
Sobre a bandeira Lula Livre, o líder do PT no Senado acha que ela não deve ser abandonada pelo partido, mas que também não deve ser a única. E disse que o ex-presidente só sairá da prisão se houver uma mobilização social muito forte.
Costa disse ainda que este é o “início de governo mais turbulento e desastroso” nas últimas décadas e chamou o pacote de segurança pública e combate à corrupção apresentado pelo ministro Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública, de “marqueteiro”.
Os Divergentes – Como o Sr avalia esses primeiros 45 dias do governo de Jair Bolsonaro?
HC – Esse foi o início de governo mais turbulento e desastroso que já vi nas últimas décadas. Em geral, mesmo a oposição, espera os fatos acontecerem para se posicionar, tentando ver por onde a coisa anda. No caso do governo Bolsonaro, desde o primeiro momento temos visto que ele tem se caracterizado pela falta de entrosamento, coordenação, um bate-cabeça o tempo inteiro. Bolsonaro não tinha programa de governo, não tem pessoas que assumam determinadas responsabilidades, tudo é feito na base do improviso. Além disso, ele colocou pessoas em determinadas áreas que não têm a menor intimidade com o setor público, professam ideias difíceis de viabilizar. É o inicio de governo mais turbulento que já tive a oportunidade acompanhar.
Os Divergentes – No Senado a base do governo tem procurado manter o acirramento dos ânimos com a oposição. Já na primeira semana passada foi aprovado um requerimento desarquivando uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que proíbe o aborto, dia seguinte foi criada uma CPI para investigar as indenizações da Comissão da Verdade. Como o PT analisa esse comportamento? O Sr acha que é uma forma de manter a militância atuante?
Eles não têm uma proposta para enfrentar o desemprego, a desigualdade, a volta da fome, para ampliar a educação, tudo deles é negativo. Para poder segurar a militância deles, os apoios, eles têm que está o tempo inteiro trazendo de volta os inimigos. E o que eles têm para unir a tropa deles é nos combater: atacar o PT, a esquerda, entrar nessa guerra de valores culturais. É uma estratégia pensada.
Os Divergentes – O Sr está dizendo que o governo ainda não saiu do palanque, é isso?
HC – Sim. A estratégia deles é se manter no palanque para evitar discutir coisas concretas que a população precisa.
Os Divergentes – Mas isso é positivo para o PT também, estimula a militância de vocês?
HC – Claro. Não tenha dúvida.
Os Divergentes – Qual a estratégia do PT para reconquistar o eleitorado brasileiro. Na última sexta-feira (15) o partido iniciou uma série de viagens pelo Nordeste com o ex-prefeito Fernando Haddad. Já é o inicio da campanha eleitoral de 2022?
Não. Na verdade a nossa responsabilidade é fazer a oposição. Esse foi o espaço que a sociedade reservou ao PT depois dessa eleição. E nós temos que começar a fazer da maneira mais qualificada possível. Estamos fazendo o enfrentamento com todas essas bandeiras do governo, especialmente as questões econômicas, sociais e de soberania nacional. Ao mesmo tempo, procuramos apresentar as nossas alternativas, confrontar essas alternativas com o que eles estão propondo. E precisamos fazer chegar até as pessoas isso. E pra isso a gente precisar ir onde o povo está.
Os Divergentes – A bandeira “Lula Livre” está desgastada, especialmente depois da segunda condenação. O Sr acha que esse discurso ainda mobiliza a militância ou que o PT deve procurar outro discurso?
HC – Nós não podemos perder esse discurso de vista. A prisão de Lula tem uma simbologia de afirmar o estado de exceção que estamos vivendo. Não estamos vivendo uma democracia comum, normal, trivial. Nós estamos vivendo praticamente uma mudança de regime político. Onde há um governo que tem um perfil claramente autoritário e a prisão de Lula e a perseguição que ele tem sofrido é um dos emblemas disso ai. Então, a gente não vai abandonar essa bandeira, mas lógico que também não é a única.
Os Divergentes – Mas até agora parece ter sido a única. Durante a campanha foi muito forte. Não há um desgaste para o partido?
HC – Acho que a bandeira do Lula Livre só voltará novamente a ser forte como foi antes se a gente tiver um processo de mobilização que questione as ações do governo Bolsonaro. Para que Lula consiga sair da prisão vai ter que ter uma mobilização social muito grande, ficar claro para as pessoas porque ele está lá. Acho que a chance dele sair é se a gente tiver um movimento de massa, movimento social.
Os Divergentes– O Sr quer dizer que depende do desgaste do governo Bolsonaro?
HC – E a gente enfrentando ele, resistindo.
Os Divergentes – O PT fez autocrítica?
Fizemos. Mas foi feita de uma maneira bem genérica.
Os Divergentes – O Sr acha que deveria aprofundar?
HC – Não sei. Mas acho que também não é bom ficarmos nos autoflagelando por aí. Acho que tem que ser uma coisa na prática. A melhor autocrítica é a gente fazer uma inflexão na nossa política, a quem a gente se dirige.
Os Divergentes – De que forma?
HC – Tem que melhorar bastante a comunicação. Tem que procurar, ou reatar ou criar relações com outras forças políticas da sociedade, inclusive de centro. Isso hoje está meio interditado. Lógico, muita gente não quer conversa com o PT. Essa relação tá interditada porque a política que a gente tem levando é de muito confronto. Estamos levando tudo para o confronto. É confronto com judiciário, é confronto com tudo.
Os Divergentes – No Senado, o PT ficou de fora do bloco formado por partidos de esquerda (PDT, PSB, REDE e PPS). Como o Sr pretende retomar esse diálogo? Dá para tentar integrar o PT ao bloco?
HC – Já conversei com o líder do PDT, (Weverton Rocha -MA) marcando um papo. Também já marquei uma conversa com o líder do bloco deles (Veneziano Vital do Rego–PB) para a gente montar uma estratégia de ação comum, fazer isso de forma coordenada. Mesmo que não seja na forma de bloco, mas a gente pode sentar e conversar.
Os Divergentes – Na Câmara também há esse diálogo?
HC – Sim. Na Câmara também já está sendo conversado. Houve aquele episódio da eleição do Rodrigo Maia, mas agora já voltaram a conversar.
Os Divergentes – O que o Sr acha da proposta da reforma da previdência apresentada pelo governo? O PT vai apoiar?
HC – Achei muito ruim. O PT não vai apoiar nada. O PT vai se contrapor, defender as suas ideias. Não adianta fazer reforma da previdência que pega somente pelo caminho de reduzir os gastos. Se a gente não acabar com sonegação de tributos, sonegação de contribuições, se a gente não buscar ampliar a receita criando possibilidade de crescimento econômico, vamos enxugar gelo. Não é esse o modelo de previdência que a gente acha que precisa ser feito.
Os Divergentes – E o pacote de segurança pública apresentado pelo ministro Sérgio Moro?
HC – Temos uma série de restrições a ele (o pacote). Acho que tem um caráter muito mais marqueteiro do que propriamente o de querer resolver as coisas. Para quem está querendo combater a criminalidade, a lavagem de dinheiro, não tem qualquer referencia ao tema da sonegação no Brasil, que hoje é um problema mais grave que o da própria corrupção. Devia ter apresentado qualquer coisa nesse sentido.
Os Divergentes – Mas isso pode ser corrigido pelo Congresso. O Sr vai apresentar alguma emenda?
HC – Pode, pode. A gente vai apresentar emenda.
Os Divergentes – O Sr acha que os dois projetos passam no Congresso?
HC – Acho que passam, mas sofrerão algumas mudanças.
Os Divergentes — Os filhos do presidente têm causado mais problemas ao governo que a oposição. O sr. pensa em convidar Carlos Bolsonaro para ingressar no PT?
HC: (risos). Acho que daria um bom tuíte.