Deixa quieto. Foi esse o apelo do senador Luis Carlos Heinze (PP/RS) ao seu conterrâneo Eduardo Araújo. “Esqueçam-se dos iranianos”, pedia o parlamentar.
Os gaúchos se crispam de cabelo em pé quando veem a diplomacia brasileira olhar para os lados de Teerã. Sempre que tentou, deu errado.
Já o Rio Grande do Sul tem nos persas grandes consumidores de suas commodities agrícolas. Fregueses seguros há muitas décadas, ganha-pão de dezenas de milhares de lavradores e criadores. Um tumulto nessa área é tudo o que ninguém quer nos pampas.
Parte considerável dos grãos e carne de gado exportados pelo Rio Grande do Sul vão para o país dos aiatolás. Isto desde os anos 1970. Daí o pedido do senador Heinze, mais preocupado com seus conterrâneos.
Do Rio Grande para o Irã
O Irã importa o que o Rio Grande mais produz para vender no exterior: milho, em primeiro, lugar, soja e carne de gado. Uma interrupção teria efeitos disseminados. Os sócios das cooperativas, que operam esse comércio, são, na esmagadora maioria, pequenos e médios agricultores.
Poucos sabem, mas 70 por cento da soja gaúcha é colhida em propriedades com menos de 150 hectares – o contrário do Centro-Oeste, que tem grandes lavouras. E, assim mesmo, estas granjas não praticam monocultura.
Em geral o colono (como se chamam os agricultores naquele Estado) divide sua plantação em várias culturas, conforme o clima: trigo no inverno faz rotação com soja no verão, milho com pastagem para gado de corte e leite (também há suínos, mas os muçulmanos nem comem nem importam carne de porco).
Mercadorias cotadas na Bolsa de Chicago, descarregadas de seus navios no porto de Bandar Abas (Porto Camorão, antigo nome português, nos tempos das grandes navegações), na Província de Hormosgão. Na década de 1970, uma das cooperativas gaúchas, a Cotrijuí, chegou a montar um terminal para seus navios. O temor é que um mal-entendido complique esse intercâmbio. Por isto, mais do que nunca, os diplomatas devem vestir-se com seus punhos de renda.
Trapalhadas diplomáticas
A experiência brasileira nas relações do Brasil com o Irã teve exemplos desastrosos. Já começou mal, quando o primeiro embaixador mandado a Teerã, Hugo Gouthier, acabou enxotado do País, como “persona non grata”, acusado de ter se metido onde não devia. Mais ou menos como esse apoio pouco claro a Donald Trump.
Em 1953, o Irã nacionalizou o petróleo, antecipando-se 20 anos ao choque de 1973. Deu uma grande crise. O embaixador cometeu algumas indiscrições e foi acusado pelo primeiro-ministro Muhammad Mossadegh de colaborar com os serviços secretos dos Estados Unidos (CIA) e inglês (MI5). Foi afastado. O Ministério do Exterior retirou-o do posto e aplicou-se uma suspensão de 70 dias. Nada foi provado.
Depois disso, o mineiro Guthier, próximo ao então governador de Minas Gerais, Juscelino Kubitschek, eleito presidente da República, foi mandado para Roma. Na Itália adquiriu um prédio histórico, o Palazzo Pimphili, na Piazza Navona, para sede da legação do Brasil naquele País. E ainda: em 1961, no episódio da renúncia do presidente Jânio Quadros, organizou o regresso ao Brasil do vice-presidente João Goulart, que estava na China.
Não fosse o diplomata tomar providências, Jango teria dificuldades para voltar, ficaria dias e dias vagando pela Ásia e Europa, dando tempo à Junta Militar (ministros Odílio Denys, da Guerra, Silvio Heck, da Marinha, e Grum Moss, da Aeronáutica), para organizar o golpe de estado, finalmente fracassado com a resistência liderada pelo governador do RS, Leonel Brizola. Mais uma vez o embaixador não foi perdoado: seu nome figurou na primeira lista de cassações em abril de l964 como punição por suas inoportunas diligências.
Prevaleceu a sensatez
Como precaução, diante da possibilidade de alguma ação do governo, o senador gaúcho, pediu que o Itamaraty ignorasse a praxe diplomática e deixasse os iranianos em paz. Pelas regras de reciprocidade, já que o governo do Irã convocara a encarregada de negócios em Teerã, Maria Cristina Lopes, para explicar o sentido real da nota oficial do Ministério do Exterior, considerada ambígua, sobre o atentado de Bagdá. Por fim, num acesso de sensatez, cancelou uma reunião em Teerã para tratar de uma agenda cultural, justamente uma área perigosa neste momento de radicalismos religiosos, lá e cá.
Aparentemente, Heinze foi atendido. Ele é bem-visto no Palácio do Planalto, valendo-se de seu crédito com o presidente Jair Bolsonaro, pois foi o primeiro político de grande porte no Rio Grande do Sul a apoiar o candidato do PSL quando ele ainda não era tido como concorrente competitivo. Ernesto Araújo desistiu de chamar os diplomatas iranianos, afastando, desta forma, o risco de espichar essa corda.