Eu vou chamar o síndico! (parte II)

Na segunda crônica sobre os sons do home office, o autor destaca o gosto musical eclético de alguns vizinhos e se diz saudoso do tempo em que esses barulhos eram dos fogos da comunidade anunciando a chegada da polícia

(…Continuação)

É um tal de cachorro uivando, o dia inteiro, porque, adotado durante a pandemia, para fazer companhia – ô rima pobre – à solitária do nono andar, agora, após sua volta ao trabalho presencial, o Biscoito se tornou um inveterado solitário e pensa ascender a lobo. Para tal, treina diuturnamente no que é acompanhado pela matilha, residente anteriormente, nos aposentos condominiais. Estão fazendo sucesso, já pensam em montar uma banda “Biscoito e seus cãezinhos adestrados”!

É morador do quinto e do segundo demonstrando gostos musicais ecléticos: o de baixo, chegadíssimo ao brega; é Waldick Soriano, Manhoso, Reginaldo Rossi, Evaldo Braga, Raimundo Soldado, Odair José, censurado nos anos de chumbo por tentar tirar sua amada que, como escreve o querido Ancelmo, trabalhava numa casa de saliência ou por pedir, a outra, que parasse de tomar a pílula. Também nada contra, respeito todos os gostos musicais, agora ‘sacudindo a laje’, em meio a uma reunião virtual com cliente… não dá! O outro, do andar mais alto, gosta de funk – o mesmo ‘blá-blá-blá’ do nada contra. Resolveram competir que ‘troa melhor a caixa, quem tem mais watts de potência nas ‘JBLs’ compradas no camelô da esquina. Isso sem falar que a dona de casa do primeiro andar acredita piamente que “em vinte minutos, tudo pode mudar”. Band News das 6h às 23h. Talvez ‘se’ ache o serviço de alto-falantes noticioso do condomínio. Vejo, ou melhor, ouço a hora que vai oferecer música no “Correio Musical Elegante do Marquês do Pinel”.

Nesta área temos uma professora de piano e suas aulas virtuais – já sei a escala de trás para frente e vice-versa, com seu metrônomo que mais parece o Big Ben londrino. O menino da cobertura, que não sabia, é guitarrista e a senhorinha do terceiro, cantora dos anos 1950 e 1960, e suas interpretações, dia sim, dia não, pela janela do prédio de canções de Vicente Celestino, Carmem Miranda, Dolores Duran e Aracy de Almeida. “…pois meu último desejo/Você não pode negar…”. Ah, posso, posso sim. Preciso escrever a crônica… o que posso fazer se a senhora não quer beijar mais? Talvez, se beijasse, manteria a boca ocupada, aliás, a senhora já notou como o seu João de 503 é simpático? Está solteiro; quem sabe…!

Que saudades que tenho quando os sons eram ‘a mais’, no máximo, dos fogos da comunidade anunciando o alvorecer para a ‘rapaize’, que a dura, numa muito escura viatura, já estava no portão.

Eu vou chamar Tim Maia.

 

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