A pauliceia desvairada volta a atacar. À direita, o presidente Jair Bolsonaro arrumando as malas para se mudar de partido; à esquerda, o PT confessa não ter um plano B para o caso de Lula deixar a cadeia com restrições, e troca o “Lula Livre” por “Lula Inocente”.
Ao centro, articula-se uma campanha bom-mocista na base do “não” ao ódio, com proposta concreta do ex-ministro Aldo Rebelo com sua tese da união das forças heterogêneas. Submerso, o inefável “centrão” bota suas reivindicações na mesa antes de votar as propostas em pauta, venham de onde vierem.
Todo esse terremoto tem seu epicentro em São Paulo, onde gravitam os comandos de todos esses segmentos.
Referenciar Mário de Andrade, autor da frase de abertura desta crônica, é oportuno, pois o grande autor modernista volta à cena em São Paulo pela pena do escritor Jason Tercio, com sua excelente biografia lançada em julho último pela editora Sextante.
Deixa pra próxima
Enquanto o clã Bolsonaro debate-se contra a rebelião de seguidores que desobedecem ao comando de família presidencial no PSL, no partido orgânico da esquerda, o PT, defende-se a tese de que vencer eleições não é importante neste momento. A palavra de ordem seria usar os palanques municipais para denunciar o que veem como o descalabro do governo federal.
Cada qual, nas pontas do espectro ideológico, com suas idiossincrasias. Surrealismo: enquanto um se desfaz no poder, o outro, a segunda maior força no Congresso, defende a tese inesperada de que tal partido deve abrir mão de disputar o Poder Executivo.
“Quem vai querer falar de problemas municipais numa hora destas”, diz enfaticamente um alto dirigente petista, defendendo a tese da nacionalização do pleito. Certamente está de olho em 2022, mas, nos subterrâneos do partido, em São Paulo, comenta-se do ataque frontal a um dos bastiões da esquerda, os Conselhos Tutelares, na semana passada.
Os partidos evangélicos mobilizaram-se e tiveram grande êxito na renovação dos colégios nas áreas suburbanas da capital paulista. Ou seja: a direita, apontada como elitista e truculenta, entra no sistema pelas bases legitimada com votos. É estonteante.
Já seu antagonista, o PSL, desestabiliza-se pela inconstância de seu líder máximo, o presidente Jair Bolsonaro, e de seus áulicos (no sentido lato da palavra), os filhos, cada qual com sua faixa de interesses políticos. No caso, diferentemente do PT, que mesmo combalido se mantem disciplinado, o PSL se esboroa sob a batuta de seu inspirador, que não tem experiência em conflitos partidários. São, portanto, dois antagonistas bem diversos.
De um lado a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, criada no seio das militâncias petistas, dirigente típica e de inteira confiança pessoal do líder máximo, a quem segue sem pestanejar. As divisões no PT não ultrapassam a história do próprio partido, que, na hora certa, deverá seguir as determinações ex-presidente da República. Com a chave do cofre, diante de uma campanha pobre, a deputada Gleisi seguirá a partilha que Lula determinar. Disto ninguém duvida.
Ficha corrida
Do outro lado, o líder pesselista é um lobo solitário, que construiu uma carreira inimaginável sozinho, distante das instituições político-partidárias. Só para ilustrar, vamos repetir um levantamento de sua carreira: em 1988 foi eleito vereador, no Rio, pelo PDC; em 1990 elegeu-se deputado federal, sempre no Rio, pelo PRP; entre 1994 e 2003 esteve no PP, depois outra vez entre 2005 e 2016; esteve no PTB entre 2003 e 2005; no PFL em 2005, mudando para o PEN em 2017 e, para o minúsculo PSL, em 2018, elegendo-se, aí, presidente da República, levando consigo uma bancada de 53 deputados federais e três senadores.
Tamanho êxito é surpreendente, mas não anula a falta de experiência do líder no trato das questões partidárias, mais ainda nas vésperas de uma eleição municipal em todo o País. Nas bases, suas lideranças secundárias estapeiam-se pelo comando da campanha eleitoral. Crise certa.
No PSL, sobram candidatos. No PT, as chefias nacionais estão defendendo apoiar candidatos de legendas aliadas, como Marcelo Ribeiro Freixo, do Psol do Rio, ou Manuela d’Ávila, do PCdoB, em Porto Alegre. Resta saber se as bases petistas vão aceitar caminhar a reboque em capitais que já governaram.
Já os heterogêneos de Aldo Rebelo, perplexos, divertidos ou na moita, aguardam os acontecimentos para saber que rumo tomar. O velho centrão vende seus votos no mercado das reformas.