Lá do Texas, distante oito mil quilômetros das ruas brasileiras, o presidente Jair Bolsonaro tratou de chamar os milhares de manifestantes que protestaram contra os cortes no orçamento da Educação de “idiotas úteis”.
Governos minimizarem o efeito de manifestações contra eles é algo tão comum quanto técnicos da Seleção Brasileira minimizando as consequências de uma goleada num amistoso às vésperas da Copa do Mundo. Quem está de fora, porém, sente e sabe bem a diferença que há entre a realidade e o discurso.
Jair Bolsonaro é fruto dos movimentos de protesto que começaram na Copa das Confederações ainda no primeiro governo Dilma Rousseff. Movimentos que depois nunca mais pararam e foram crescendo até inviabilizar completamente a permanência de Dilma e da era petista. Deveria, portanto, ser o primeiro a identificar os efeitos dessas ondas de insatisfação.
Mas Bolsonaro foi bem mais além que minimizar. Ele resolveu provocar os manifestantes. Chamou-os de “idiotas”, de “massa de manobra”. Seria bem mais prudente ao presidente respeitar esses “idiotas” que foram às ruas. A situação de Bolsonaro não anda das mais confortáveis.
Há no modus operandi de Bolsonaro e da turma mais próxima a ele – incluindo seus filhos – uma necessidade atávica de agredir sempre os adversários. É o clima de guerra permanente das redes sociais. E já comentamos sobre isso por aqui. Algo que Bolsonaro importa de outros governantes que antes dele tinham descoberto o poder das redes sociais. É assim que faz Vladimir Putin na Rússia. É assim que faz Donald Trump nos Estados Unidos.
Ocorre que a Rússia é um país onde o Estado é muito forte. Não é exatamente uma democracia. Nos Estados Unidos e aqui, o estilo da agressividade crônica atiça os adversários. Mantém um clima de confronto e crise permanente. E já começa a ficar evidente que essa intranquilidade permanente não exatamente ajuda o “capitão eleito”, para repetir uma expressão usada por seu filho, Carlos Bolsonaro.
Enquanto pessoas foram às ruas em número longe de ser desprezível, Bolsonaro reagia chamando-o de “idiotas”. Na Câmara, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, igualmente reagia insinuando chamar os deputados de “vagabundos”, que nunca na vida tiveram uma carteira assinada. Ou seja: é guerra permanente contra os supostos adversários.
Mais uma vez guardando o espaço da sensatez no governo, o vice-presidente Hamilton Mourão disse que as reações aos cortes na Educação foram um problema de comunicação. Foram mesmo. Se o governo desde o início tivesse dito que o corte era necessário porque os governos anteriores, de Dilma e de Michel Temer, tinham quebrado o país, o que não deixava alternativas, talvez tivesse conseguido a partir daí criar um outro ambiente. Primeiro, obrigaria os adversários a se debruçarem nos números. Segundo, números sempre são mais difíceis de compreender. Não geram disposição para palavras de ordem. Terceiro, poderiam arregimentar grupos em efeito contrário, que reclamariam dos desmandos e trapalhadas da era petista.
Mas Weintraub resolveu dizer que estava cortando o dinheiro porque as universidades faziam “balbúrdia”. Mesmo tendo tornado depois o corte generalizado, foi essa primeira mensagem que ficou. Quem nunca frequentou uma universidade pode mesmo pensar – até por despeito – que ali só se faz bagunça. Quem, porém, sentou nas cadeiras de um curso superior e dá valor ao diploma que recebeu, sabe o que exatamente fez para merecê-lo. O que inclui boa parte da elite conservadora brasileira. Ou seja: boa parte dela não vai comprar esse discurso para desmerecer o valor do seu próprio esforço.
Assim, construiu a palavra de ordem que ontem foi às ruas. Foi chamado à Câmara para se explicar numa clara molecagem do Centrão. Passou o recibo. Chegou no plenário e agrediu os deputados. Nem se ajudou nem ajudou o governo que patina no Congresso colecionando derrotas.
Nas atitudes de Bolsonaro e de Weintraub há a esperança de que arregimentaram seus exércitos. E que um dia esses exércitos possam sair às ruas, se necessário, em sua defesa. Mas é sempre bom lembrar. A turma aguerrida de Bolsonaro nas redes é o seu grupo inicial, de uns 15%. Não é a maioria mesmo daqueles que o elegeram. Falar o tempo todo somente para esses grupos não é falar para a maioria da sociedade. Esse erro vem sendo repetido seguidamente.