Em outros tempos, um presidente eleito recebia um aval de 100 dias pra mostrar a que veio. Era uma trégua meio consensual no mundo político. Alguns aproveitaram, outros desperdiçaram. Nessa sucessão presidencial não tem regras de convivência nem antes da posse.
Os derrotados bolsonaristas seguem pregando um virada de mesa nas redes sociais, na porta de quartéis e em articulações e manifestações de suas bancadas parlamentares. Essas contestações, inéditas desde a redemocratização do país, transformam a transição em um vale tudo. Não só pela ousadia da galera que paralisa rodovias, queimas carros, ataca delegacias e a sede da Polícia Federal e, no que é mais insólito, sem ser reprimida.
O mais grave é como acuam o governo eleito pelas urnas. Lula teve que antecipar a escolha do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, e dos comandantes militares. Já até se reuniu com eles, antes mesmo de sequer anunciar um único nome para a área social, seu principal cacife eleitoral.
Fora da casinha da transição, foi com Arthur Lira que Lula mais conversou. A cada papo, uma concessão. A primeira foi a entrega de mão beijada do apoio do PT e aliados à reeleição de Lira para a Presidência da Câmara. Lula entendeu como uma quitação no que Lira interpretou como apenas um sinal para o pagamento de uma conta bem mais salgada.
Nas novas conversas, Lira parte do pressuposto de que sua reeleição já foi precificada. Pôs o tal orçamento secreto na mesa de negociação, e sente que saiu vitorioso com a nova versão pra engabelar o Supremo Tribunal Federal em que mantem nada menos que R$ 1,5 bilhão pra contemplar aliados.
Como Lula parece ter caído em um armadilha do Centrão, que a cada dia aumenta o preço, novas cobranças entram em pauta. A mais descarada é o Ministério da Saúde, em que o PP de Lira aprontou todas e mais algumas. O deputado Ricardo Barros, líder do governo Bolsonaro, manda e desmanda em áreas que protagonizaram escândalos como a propina para compra de vacina. É um escárnio.
Mas tem mais. Jair Bolsonaro segue entocado no Palácio da Alvorada em busca de saídas pra livrar a si mesmo e a seu clã da cadeia pelos múltiplos crimes cometidos. Foi numa dessas alucinadas tertúlias que surgiu a proposta de criar um cargo de senador vitalício com imunidade, salário e direito a voz no Senado, para ex-presidentes da República.
Como FHC e Sarney não querem nem ouvir falar disso, sobram Bolsonaro e Fernando Collor, dois alvos judiciais agora sem foro privilegiado, que podem ir pra cadeia. São esses jabutis que querem atrelar à aprovação da PEC da Transição.
Ou Lula tira a faca do seu pescoço antes mesmo de tomar posse ou vai governar como um refém dessa turma sem nenhum limite. Como filme já visto e reprisado, vai dar em novo escândalo. Lula não tem como esperar. Ou barra agora essa chantagem ou paga a conta mais adiante.
A conferir.