A rusga entre a extremista Carla Zambelli e o ex-presidente Jair Bolsonaro não é a primeira nem será a última no campo da direita radical no pós-eleição, mas é o episódio que melhor simboliza hoje a desagregação daquilo que chamamos de bolsonarismo. O ex-chefe desconfia que a (ex) fiel deputada fez um acordo com o ministro Alexandre de Moraes, do STF, no processo em que foi flagrada armada perseguindo um jornalista e teve, além do porte cassado, as redes sociais suspensas. Semana passada, Zambelli voltou às redes e hoje, na Folha, reaparece com discurso supreendentemente brando em relação ao Supremo e crítico à ausência de Bolsonaro no país para liderar a oposição.
Com acordo ou sem acordo com Xandão, Zambelli faz o percurso de boa parte dos bolsonaristas nesse momento: busca um novo rumo no campo da direita, distanciando-se do ex-presidente — que, além de deixar um vácuo de liderança, muito provavelmente será politicamente esvaziado por uma inelegibilidade que o TSE parece perto de decretar. No caso da deputada, o movimento é espantoso por atingir o setor mais radical e troglodita da base política de Bolsonaro.
Se até esse pessoal começa a criticar o capitão, presume-se que o “núcleo duro” do bolsonarismo pode estar ficando menor do que se previa. Quem sabe até abaixo dos 20% que supostamente estão com o ex-presidente em qualquer circunstância e acham normal a tentativa de golpe do 8/1, por exemplo. Em política, debandada é o que ocorre quando se reduz a expectativa de poder. Além da marcha rumo à inelegibilidade, a fuga para os EUA não ajudou nada na coesão do grupo.
Mas a senha do isolamento dos extremistas da base do governo passado já havia sido dada por setores da direita que apoiaram Bolsonaro na eleição — estão nos 49% dos votos que ele recebeu — mas vêm se distanciando depois do 8/1. Nesse rol, estão governadores como Tarcísio de Freitas (SP) e Romeu Zema (MG) e uma penca de parlamentares que vão fazer um jogo próprio e tentar se destacar como líderes da direita, como o ex-vice-presidente e agora senador Hamilton Mourão (PL-RS) e o senador Rogério Marinho (PL-RN).
Esse pessoal, em sua maioria crítico do golpismo embora adversário de Lula, vai ocupar espaço e tentar se viabilizar como o que se denomina hoje de direita democrática — ou, no popular, a direita limpinha e cheirosa. É dela, muito provavelmente, que sairá o futuro adversário do lulismo na eleição de 2026. Se souber se articular, esse setor poderá atrair também a parte do centro mais próxima da direita, nomes como, por exemplo, o do governador Eduardo Leite (RS).
Muitas águas vão rolar até essa disputa, e a variável principal do quadro será o desempenho do governo Lula e suas chances de eleger o sucessor — ou até ele mesmo marchar para a reeleição. No momento, a desagregação do bolsonarismo e o isolamento de Bolsonaro e seus extremistas é bastante positiva para o governo. Não por acaso, o presidente da República tem feito questão de tratar de forma republicana governadores politicamente adversários. A imagem com Tarcísio de Freitas no socorro às vítimas da chuva no litoral paulista foi boa para ambos.