A ex-presidente Dilma Rousseff provou que é uma mineira “comme il faût”: esperou seu chefe e guru, o ex-presidente Lula da Silva, dar o primeiro passo antes de se manifestar. Depois que o ex-mandatário acenou amigavelmente para o neotucano João Doria Jr., ela disse, com muitas ressalvas, admitir que o momento é de união para enfrentar o inimigo comum dos brasileiros, o vírus SARS-CoV-2, nome científico do causador da covid-19.
Numa entrevista aos repórteres Guilherme Mazieiro e Leonardo Sakamoto da Folha de S. Paulo, falando ao telefone de seu apartamento, onde observa a quarentena, no Bairro Tristeza, em Porto Alegre, Dilma se limita à questão sanitária ao associar-se ao movimento antibolsonarista do governador de São Paulo, João Doria, que, nestes dias, liderando o confinamento, expressa a oposição mais clara ao negacionismo do presidente da República, Jair Bolsonaro, e seus seguidores. O vírus é de direita, a quarentena de esquerda.
Com isto, Dilma entra no bloco dos que sugerem que a peste é o inimigo comum e que o chefe do governo estaria do lado do vírus. Só isto. Falar de frente ampla eleitoral ainda é cedo, disse antes de mudar de assunto. Para ela, todo poder ao ministro da Saúde, Luiz Mandetta, que não é tucano nem paulista.
Detalhe: não confundir a Frente Ampla com o chamado “Centrão”, que é um agrupamento parlamentar informal no Congresso, sem organização eleitoral. O centrão é integrado por uma penca de pequenos partidos conservadores, que podem aparecer com algum candidato improvável, tal qual foi Bolsonaro em 2018, a atropelar as forças convencionais.
Num segundo turno entre o atual presidente e a Frente, os centristas votariam em Bolsonaro. Já a ultraesquerda, que se dissocia das tendências moderadas do PT, deve se sair com candidato próprio, mas no segundo turno tenderá a seguir orientação de Lula. Neste caso, não será de estranhar que vote em João Doria, para derrubar o capitão e sua ultradireita, se esta for a opção para tirar o capitão do Planalto.
Dilma pisa em ovos. Fazer coro a esses dois, Doria e Mandetta, mais o, por vezes, indecifrável Lula, reunindo num mesmo saco PSDB e DEM ao PT e, já se suspeita, o MDB do ex-presidente Michel Temer, é manobra arriscada dentro de uma esquerda ainda abespinhada com o lombo doendo da derrota humilhante diante de um adversário tido como desprezível. Muito paulista junto. Todo cuidado é pouco.
Entretanto, embora não fosse chamada para integrar o bloco, alguns analistas mineiros e gaúchos sugerem que ela não quereria perder o bonde. Caso se forme uma frente ampla para enfrentar a ultradireita liderada pelo presidente Jair Bolsonaro, ela não se omitiria.
Nesse caso, seria de lembrar que Leonel Brizola, no episódio da Frente Ampla, em 1968, recusou-se participar ao lado de Carlos Lacerda. O isolamento o deixou a reboque, em segundo plano, na redemocratização, conduzida pelo MDB.
No entender da tendência petista e aliados de Dilma de viés ortodoxo, que lhe apoiaram até o último momento no episódio do impeachment, aliança com o PSDB é miragem. Mas também é uma máxima mineira de que a política é como as nuvens. A cada momento têm um formato, dependendo do vento que sopra.
No entanto, a História da redemocratização já traz um exemplo da tradição da política brasileira de alianças impossíveis, quando reuniu num mesmo barco Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek e Jango Goulart, adversários mais ferrenhos que Lula e FHC dos tempos em que PT e PSDB disputavam a hegemonia do poder no Brasil.
Em 1968, os partidos que dominaram o regime de 1945, UDN, PSD e PTB, tal qual tucanos, petistas, emedebistas e democratas de hoje, concordaram em dialogar e tentar a formação de um bloco então denominado Frente Ampla, para enfrentar à ditadura militar do marechal Costa e Silva.
Deu errado. Os militares simplesmente proibiram a Frente. Lacerda foi cassado, Juscelino e Jango já estavam no exílio. Esse grupo só viria a se juntar novamente na campanha Diretas Já, em 1984, quase 20 anos depois.
Por fim, o próximo obstáculo para as oposições testarem suas musculaturas serão as eleições municipais deste ano. Considerando que não há mineiros no cenário, a ex-presidente movimenta-se sem espalhafato.
Ainda é cedo. Antes é preciso enfrentar as disputas municipais.
Também é preciso não esquecer que Dilma teve uma participação importante na política municipal de Porto Alegre nos seus tempos de pedetista. Nunca foi candidata porque o lugar nas urnas era de seu marido, o falecido então deputado Carlos Araújo.
Portanto, ela tem duas catapultas para impulsionar sua reentrée nos cenários. Porto Alegre em 2020 e/ou Minas em 2022. Com tamanho recall, certamente estará no Congresso em 2023.