Havia pela frente uma penca de obstáculos. O maior deles era trupe de Arthur Lira na Câmara, acostumada a impor derrotas a Bolsonaro, que tentou repetir a proeza com o novo governo Lula, tido como nas cordas pela necessidade da aprovação da PEC da transição. Quanto mais o tempo escorria, maior a gula e as exigências dessa galera parlamentar herdeira de Eduardo Cunha.
Arthur Lira estava tão certo da vitória que, na conversa com Lula no domingo, chegou a mostrar a mesma arrogância que assustou o covarde Jair Bolsonaro. Saiu da conversa em um hotel na zona central de Brasília convencido de que faria barba, cabelo e bigode, mantendo e até ampliando o poder conquistado na gestão Bolsonaro. Errou na mão.
Quis dar um passo maior que a perna. Já tinha assegurado apoio suficiente para se reeleger presidente da Câmara. Avaliou que Lula acuado cederia também os nacos de poder que hoje desfrutam no governo federal que têm muita grana e geram escândalos pelo mau uso do dinheiro público. Lula já pagou um preço alto por arranjos semelhantes em governos anteriores.
Em questão de horas, Lira tomou um baile que até agora não entendeu o tamanho do tombo. Uma tabelinha entre os ministros do STF Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski tirou os curingas das mãos da turma de Lira, enterrando o Orçamento Secreto e abrindo brecha para a adoção do reajuste do Bolsa Família por uma canetada presidencial.
Essa reviravolta proporcionou que nessa terça-feira (20) fosse feito um acordo que assegurasse para 2023 toda a grana pedida pela equipe de transição de Lula e mais metade dos R$19,4 bilhões antes destinados ao malfadado Orçamento Secreto. É uma montanha de dinheiro para o novo governo, que se souber gastar, pode começar a botar a casa em ordem.
A questão agora é como o novo governo vai gastar esse cacife. O primeiro teste é a montagem da equipe ministerial. Até agora o PT vem nadando de braçada, inclusive nas bolas divididas. Com exceção de Flávio Dino na Justiça, todos os outros são puro sangue. A expectativa é que a partir dessa quarta-feira (21) o apetite do PT seja contido e aliados importantes para a vitória eleitoral e a governabilidade comecem a integrar a equipe em postos com relevância.
A senadora Simone Tebet, Marina Silva, economistas de variadas tendências que deram aval a eleição de Lula, entre outras forças de centro e de esquerda, são caras necessárias para caracterizar um governo de frente ampla. Não basta apenas comporem a paisagem ministerial. Precisam compartilhar das decisões.
Com a aprovação da PEC da Transição, que ficou de bom tamanho para todos os lados, a primeira vitória a comemorar foi a redução da suposta letalidade de Arhur Lira, que teve de tirar a faca do pescoço do novo governo, embora siga poderoso. Mas abre-se, assim, a possibilidade de negociações entre os poderes da República, com a participação de novos atores, que reduzam a promiscuidade e a corrupção. É o mínimo, né.
A conferir.