Crescimento econômico. Muito além da Selic

A receita de que basta reduzir a Taxa Selic para assistir ao milagre do crescimento da economia é simplista. Há muitos fatores que impactam na elevação do PIB de um país, e boa parte deles não depende do Banco Central

Para John Maynard Keynes, o consumo privado é o principal e mais estável indicador da demanda agregada, pois representa dois terços do PIB de um país

A taxa de juros é um poderoso instrumento de política monetária. Sua eficácia para promover hoje um crescimento da economia, ou combate da inflação, está condicionada a um conjunto de fatores macroeconômicos  que parecem ser ignorados por muitos  economistas os quais falam em nome do governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O aumento das exportações pode ajudar no equilíbrio fiscal e, consequentemente, na queda dos juros básicos

As condições para a retomada do crescimento dependem do consumo, do investimento, dos gastos do governo, das exportações, das importações, da oferta agregada, do nível dos impostos, da poupança e, claro, das taxas de juros. O desequilíbrio entre os agregados acima é que vai indicar o quanto o aumento ou a queda das taxas de juros contribuirá para levar a inflação à meta desejada ou estimular a retomada do crescimento. Uma redução imediata dos juros, como defendem muitos economistas kenesyanos, dificilmente levaria a um crescimento econômico no governo Lula no tempo político esperado para os próximos quatro anos – ou seja, antes da sucessão presidencial de 2026.

Queda nos juros é bom, mas …

Muitos economistas vendem a ideia de que a queda das taxas de juros coloca o País em crescimento, uma vez que os empresários passam a investir mais e, com isto, ampliam a produção e geram empregos. É verdade, mas o aumento ou queda de juros têm impactos significativos na matriz econômica acima mencionada, que no seu conjunto é tratada como a demanda agregada da economia.

As condições para a retomada do crescimento dependem
do consumo, do investimento, dos gastos do governo,
das exportações, das importações, da oferta agregada,
do nível dos impostos, da poupança
e, claro, das taxas de juros
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Eduardo Hitiro Nakao foi diretor do Departamento de Operações do Mercado Aberto do Banco Central – Foto: divulgação

Quando fazia a cobertura diária do Banco Central pelo jornal Gazeta Mercantil, no final dos anos 1990, tive uma aula prática de como é feita a atuação da política monetária e os impactos das alterações da taxa Selic. Durante uma semana acompanhei a rotina diária de Eduardo Hitiro Nakao, diretor do Departamento de Operações do Mercado Aberto do Banco Central (Demab/BC), no Rio de janeiro. O trabalho de Eduardo Nakao, descendente de japonês, 1,60 m, corpo franzino, consistia em olhar diariamente todos os indicadores dos agregados de demanda mencionados. Depois, com as informações disponíveis, ligava para o Presidente do BC. Era dele, Nakao, no entanto, a responsabilidade de colocar em prática medidas de política monetária, de enxugamento ou expansão de liquidez em linha como a taxa básica de juros.

Nakao resumia da seguinte forma o papel dos juros sobre todos os ativos da economia com as operações de títulos públicos. A coisa funciona assim: quando o Demab/BC vende um título do Tesouro Nacional pelo seu valor de face de RS 100,00 fica implícito que, neste valor, está incluído os 13,75% de juros a serem pagos no vencimento do papel. Um conta rudimentar etária apontando que o valor principal do papel seria R$ 86,25 e os juros embutidos, de R$ 13,75 (13,75%, no exemplo). É, então, realizado um leilão, e as instituições financeiras indicarão que taxa de juros estarão dispostas a pagar pelo papel. Desta forma, Nakao estabelece uma linha de corte com a média de taxas de juros mais atrativas para o Banco Central e vende os papéis a todos os interessados.

Estoque parado, prejuízo no bolso

Juros menores estimulam o consumo e o investimento. E, também, a inflação.

Os juros também estarão embutidos em todos os bens comercializados em um supermercado. Quando os juros sobem, por hipótese, de 10% para 13,75%, os financeiros do comerciante sobem na mesma proporção. O jeito é evitar que a mercadoria fique muito tempo em estoque. Quando mais rápido vender – e para isso terá que reduzir o preço -, mais ganho terá. Assim, quando o BC aumenta as taxas de juros está forçando o supermercado a vender sua mercadoria. Se ficar com a mercadoria em estoque, o supermercadista estará perdendo a oportunidade de remuneração do dinheiro.

As taxas de juros têm a ver com a oferta monetária e demanda por moeda. Um aumento da moeda em circulação provoca uma queda nos juros. Isso eleva a um aumento de consumo de bens duráveis, em especial. Os economistas monetaristas atribuem à moeda um papel primordial na determinação do nível de produto real da economia. Os juros têm impactos diferenciados sobre os agentes econômicos, ou na situação de devedores ou  na de credores. Os rentistas privados, que aplicam em títulos públicos ou papéis de bancos, têm sua renda elevada com o aumento das taxas de juros, o que lhes permite, em seguida, consumir mais bens. O aumento de juros para pessoas endividadas diminui sua renda. Terão menos renda para consumo.

O índice dos juros, definidos pelo Banco Central, interfere diretamente no custo dos dinheiros, especialmente no crédito de pessoas e empresas

O aperto da política monetária levará a um aumento da poupança, a uma redução das operações de crédito e a um esfriamento da atividade econômica. É importante notar que as taxas de juros têm impacto diferente  sobre o consumo de alimentos em relação a outros bens. Mesmo assim, com a queda da demanda os preços vão a seu ponto de equilíbrio e a inflação cai. Volto para o tema das condições para crescimento.

Certo, mas e o crescimento? 

Consumo privado, na abordagem keynesiana, é o principal e mais estável indicador da demanda agregada, pois representa dois terços do PIB (Produto Interno Bruto) de um país. O nível de renda da população é que será determinante no comportamento do consumo. A renda depende de emprego, bons salários e da carga de impostos pagos pelo cidadão. Quanto maior a carga de impostos, menor a renda das pessoas. À medida que a renda aumenta, o consumo tende a elevar-se. O nível de riqueza das famílias também influencia o comportamento do consumo. As pessoas que têm bens imóveis, planos de aposentadoria e empregos no setor público  estão mais propensas a gastar a maior parte da renda em consumo.

O crédito ao consumidor é um fator de grande contribuição para o consumo. O nível do crédito do sistema financeiro caiu de 37% do PIB, em 1994, para 24%, em 2002. No final de 2010, o nível de crédito chegou a cerca de 45% do PIB.

A quem interessa os juros altos? Selic alta é coisa de gente insensível?

O investimento agregado privado é de grande importância para o crescimento sustentável da economia. Os investimentos destinam-se à aquisição de bens de capital, que compreendem um conjunto de riquezas acumuladas pela sociedade e destinam-se à geração de novas riquezas como máquinas, equipamentos, ferramentas de trabalho, construção de edificações, equipamentos de transportes e infraestrutura.

Poupança = investimento = dinheiro parado

Pela versão dos economistas keynesianos, o investimento é um dos fundamentos da procura agregada. A decisão do empresário de investir está condicionada a taxas de retorno e a taxas de juros do mercado. O investimento representa crescimento real da sociedade. Assim, como a poupança, ele resulta de uma abstenção de consumo imediato. O investimento é igual à poupança, uma vez que são apenas aspectos diferentes da mesma realidade.

Na poupança, o consumidor abre mão de liquidez imediata de seus recursos em detrimento do consumo, enquanto no investimento o empresário imobiliza seus recursos em empreendimentos no médio e longo prazo em busca de ganhos futuros. O Brasil teve o mais baixo nível de investimento em 2017, de 15% do PIB. No último trimestre de 2022 subiu para 19,6% do PIB . Para o país voltar crescer é necessário preservar o investimento acima de 23% do PIB por anos seguidos, como já se fez no passado.

Equilíbrio fiscal. Nem de direita, nem de esquerda 

As exportações fazem parte do PIB, gerando internamente incremento da atividade de produção, renda, emprego e moedas estrangeiras. Já as importações transferem renda para o exterior e não fazem parte do PIB. A expansão das exportações representa uma poderosa alavanca para o aumento da demanda agregada. Com o aumento da produção e da exportação de bens e serviços haverá mais emprego e renda no território nacional.

Os gastos do governo, com custeio e investimentos, são  poderosos instrumentos de crescimento da economia. O equilíbrio dos gastos com as receitas obtidas dos impostos é um fator fundamental para que o equilíbrio fiscal e para o bom êxito da política monetária do Banco Central.

Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central. Ele pode muito, mas não pode tudo – Foto: Orlando Brito

Por outro lado, a economia depende do equilíbrio da oferta agregada de todos os bens produzidos no País e dos que são importados. Uma oferta inferior ao nível de consumo da população pode levar a um processo de aumento de preços e inflação. É verdade, também, que quanto maior for a demanda agregada por parte dos consumidores maior será o nível da produção, ou oferta, de bens e serviços. E, também, um aumento do nível de emprego e de renda.

Como para John Maynard Keynes, a demanda agregada influencia a produção, o controle da demanda agregada é exercido pelas autoridades governamentais. A esta intervenção do governo na economia se chama de politica econômica.

Isso tudo, leitor que chegou até aqui, para dizer que o Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, só cuida dos juros, do câmbio e da estabilidade do sistema financeiro. Os demais agregados econômicos, acima mencionados e importantes para o crescimento da economia, são de responsabilidade dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, do Planejamento, Simone Tebet, e do Desenvolvimento, da Indústria, Comércio e Serviço, Geraldo Alckmin.

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