- No viaduto que antecede o Aeroporto de Brasília, há um cartaz rústico que lembra o movimento estudantil. Diz lá: Lula é inocente. Ilustra a publicação uma foto dos tempos em que o ex-presidente era um líder operário. Como a vida é feita também de lembranças e associações, imediatamente me recordei de um texto que escrevi recentemente, postei no facebook, mas é inédito aqui:
Os jornalistas escrevem sobre lendas, criam lendas e têm suas próprias lendas. Nas redações, e acho que hoje ainda é assim, contam histórias que passam de gerações para gerações. A maioria faz parte de uma época que os saudosistas tacham de fase romântica do jornalismo, quando o profissionalismo era incipiente.
Uma dessas lendas, que normalmente eram contadas nos bares após o fechamento dos jornais, dá conta de um velho redator de Teresina. Fim de tarde, já na hora de mandar o jornal para a gráfica, chega um telegrama com a urgência destacada. É, algumas notícias chegavam por telegrama, principalmente as internacionais. O comunicado urgente trazia a notícia da morte de Che Guevara. O velho redator era um revolucionário frustrado. Obrigado à lida diária e à quantidade de bocas para alimentar, nunca pode correr atrás da revolução. Mas tinha o argentino como líder inconteste, maior que Fidel. E, por causa de uma dessas sinucas da vida, cabia a ele escrever o obituário do guerrilheiro.
Profissional, tentaria manter o equilíbrio no texto, poupando o leitor de adjetivos de louvação. Mas com uma coisa não se conformava e nem colocaria no texto: um líder da dimensão de Che Guevara não poderia ter sido morto pelo maltrapilho exército boliviano. Não, isso não. Com o poder de finalizar o jornal, o velho redator resolveu reescrever a história. Discorreu sobre a vida de Che, contou sua formação em medicina, a passagem frustrada pela África, a vitoriosa experiência em Cuba e a obstinação pela luta permanente. Destacou ainda que Guevara era asmático e, com isso, achou a solução. Era a saída que precisava para não macular a aura de santo, nem tirar o simbolismo do herói dele. E mandou ver. Che Guevara morreu nas montanhas da Bolívia depois de uma crise de asma. E concluiu afirmando então que não era recomendável para os asmáticos a prática da guerrilha. Pronto, estava salva a honra do herói.
Eu me lembrei dessa lenda depois de ler exaustivas narrativas de guerrilheiros do FB que propagam um golpe de Estado, um regime de exceção e uma suposta ditadura. Ora, os jovens têm a felicidade de não saber na carne o que é uma ditadura. A ignorância pode levar a equívocos. Mas os mais velhos, principalmente os que têm 60 anos ou mais, não podem propagar, compartilhar ou espalhar esse papo furado de que vivemos um regime de exceção. Isso é desonesto, um estelionato intelectual. O pior é que alguns desses propagadores sofreram mesmo com a repressão e sabem a diferença. Não há como descrever totalmente a crueldade de uma ditadura, mas a palavra que melhor define é horror.
Não foi a asma que matou o Che. Cuidado com os redatores velhacos.