Alguém consegue imaginar Everardo Maciel, quando todo poderoso Secretário da Receita Federal no governo FHC, perguntar a um auditor do Fisco no Aeroporto de Guarulhos que, se houvesse pedido explícito do presidente da República, ele liberaria uma muamba no valor de R$16,5 milhões apreendida pela Alfândega?
Foi a exatamente isso a que se sujeitou Júlio Cesar Vieira Gomes, então secretário da Receita Federal, que, por esse serviço mesmo mal sucedido, foi no dia seguinte nomeado adido da Receita em Paris. Enquanto o ato era publicado, Jair Bolsonaro começava, então em companhia de Michelle Bolsonaro, sua fuga para Miami.
Júlio Cesar é apenas mais um exemplo de como Bolsonaro nomeou chefes de órgãos de Estado para servir a seus próprios interesses, em geral escusos. Durante todo o seu governo, jogou pesado contra as atribuições legais da Receita Federal, conseguindo em alguns momentos apoios de políticos e juízes, inclusive do STF, incomodados com algumas investigações da Receita.
A ofensiva deu resultado. Em vez de seguir nas apurações sobre as Rachadinhas do Clã Bolsonaro, a Inteligência da Receita mudou os alvos e, de maneira ilegal, passou a bisbilhotar os dados fiscais sigilosos do então procurador-geral da Justiça no Rio de Janeiro, Eduardo Gussem, que justamente chefiava a investigação sobre as tais rachadinhas, e de outros desafetos dos Bolsonaros. Isso é tão ou mais grave que a tentativa explícita de surrupiar diamantes e outras inusitadas joias recebidas por sauditas sem que saiba ainda a qual propósito — a dúvida é se os presentes não são propinas, como na venda abaixo do preço da Refinaria Landulpho Alves, na Bahia.
Outra vítima desse avanço sobre órgãos que fiscalizam patrimônio e dinheiro mal explicados foi o Coaf, um órgão decisivo no avanço ao combate à corrupção, que até hoje quica como bolinha de pingue pongue em variadas áreas de governo.
Essa política de cooptação do Estado avançou sobre uma penca de corporações e instituições do Estado. Quem tem maior poder de fogo como a Polícia Federal, por seu papel de polícia judiciária, bateu de frente, diferente da Polícia Rodoviária Federal que, apesar de resistências internas, chegou a participar de operações golpistas, como no segundo da eleição presidencial no interior do Nordeste.
A resistência no Itamaraty foi bem diplomática. Sem mostrar desobediência a ordens absurdas, usou jogo de cintura para dar um drible nelas. E assim, de uma maneira geral, comportou-se boa parte de toda a máquina pública civil.
O que até agora mais destoou nesse enredo foi o papel dos militares. Já era inexplicável a falta de proteção ao Palácio do Planalto na invasão dos vândalos, com evidente omissão do Batalhão da Guarda Presidencial e do Regimento de Guarda, o que facilitou o quebra-quebra. Há muitas outras histórias com envolvimentos de militares que ainda precisam ser esclarecidas nessa tentativa frustrada de golpe de estado.
Mas os que se envolveram na caça aos diamantes e a outras joias das arábias ilegalmente destinados a Jair Bolsonaro e a Michelle Bolsonaro deixaram suas digitais em documentos, áudios e vídeos. Além do evidente envolvimento do chefe Bolsolnaro, eles também se enroscaram.
Primeiro, o almirante Bento Albuquerque, então ministro das Minas e Energia, e seus assessores militares tentaram entrar clandestinamente com as milionárias joias – até tiveram sucesso com o que o kit de luxo destinado a Jair Bosonaro. Mas, apesar da carteirada deles, o presentaço de R$ 16,5 milhões para Michelle seguiu apreendido. Tudo filmado com áudio e vídeo.
A partir daí uma sucessão de militares que tocam o dia a dia de Bolsonaro entram em cena para tentar reaver as joias. O chefe deles, o tenente coronel Mauro Cid, distribui carteirada pra todos os lados. Mandou ofícios, em um deles autorizou a autoriza a si mesmo a receber os diamantes. Depois delegou a um sargento da Marinha, Jairo da Silva Moreira, que voou num jato da FAB, que ele requisitou como urgente, para uma nova sessão de carteiradas, na Alfândega em Guarulhos. Ali, o sargento, o coronel Cid e o secretário Júlio Cesar, da Receita, pagaram pagou mico e receberam do auditor Marcos Antônio Lopes Santana uma lição de como deve se portar um servidor público.
No dia seguinte, Bolsonaro se mandou sem os diamantes para Miami. Mas segue de posse ilegal do outro lote de presentes com relógio, caneta e abotoaduras da mesma gripe de luxo suíça. Viajou deixando seus principais parceiros na caça aos diamantes bem recompensados. No mesmo dia, saiu a nomeação do auditor Júlio Cesar como adido da Receita em para Paris e a confirmação do tenente-coronel Mauro Cid para o comando do estratégico Batalhão de Operações Especiais do Exército, em Goiânia.
Suspeito em um monte de encrencas, inclusive de novas rachadinhas da família Bolsonoro investigadas no STF, Mauro Cid virou pivô da primeira crise militar de Lula, que mandou cancelar sua nomeação para o comando de um batalhão de tamanha importância tão perto de Brasília.
O recém-nomeado comandante do Exército, Júlio César de Arruda, resistiu a ordem. Estava convencido que Lula recuaria. Quebrou a cara. Deu a Lula o pretexto para ser demitido Assumiu o comando militar o general Tomás Miguel, que se mostrou comprometido com a democracia e a hierarquia, e já começou a por ordem na casa. As investigações civis na Polícia Federal, no Ministério Público, no Congresso e no TCU certamente vão fornecer provas contundentes sobre desmandos de militares que cumpriram no Palácios presidenciais e outras órgãos de governo ordens amalucadas de Bolsonaro.
A conferir.