Na entrevista exclusiva que me concedeu no Jornal de Brasília o ex-secretário de Governo Gustavo Bebbiano, ele alerta de forma muito dura para o que considera grave risco de “suicídio político” do presidente Jair Bolsonaro. Esse risco, na avaliação dele, está relacionado à impressão que Bolsonaro passa de temer o grau de independência e de autonomia que conquistaram o Ministério Público e a Polícia Federal.
Para Bebbiano, ao agir assim, Bolsonaro ensaia um flerte com a turma que já há algum tempo anseia por travar a escalada de combate à corrupção no país. Foi para derrotar essa turma que boa parte do eleitorado de Bolsonaro optou por ele. Bebbiano, assim, aponta tal fator como o componente que pode desidratar o apoio ao presidente mesmo junto ao seu círculo mais fiel. Trava a essa altura ao combate à corrupção, no entender de Bebbiano, é coisa que a sociedade brasileira não mais aceita.
Curioso alguém imaginar que Bebbiano seja “cachorro morto” por ter sido demitido do governo. Bebbiano foi o coordenador da campanha vitoriosa que levou Bolsonaro à Presidência. Pouca gente sabe melhor do que ele que sentimentos e motivações têm o eleitorado que o escolheu presidente. Quais as características que, no imaginário das pessoas, separam o capitão Bolsonaro do “mito”. Quando Bebbiano analisa o que já vem derretendo o presidente e o que pode terminar de desmilinguí-lo, parece prudente prestar atenção.
Bolsonaro vem testando fortemente os limites de autonomia dos nossos dois principais mecanismos de investigação. Primeiro o Ministério Público e, mais recentemente, a Polícia Federal, foram construindo desde a Constituição de 1988 um caminho sólido para se firmarem no seu trabalho acima dos humores ocasionais dos governos para realizar seus trabalhos.
Não que não haja certa razão em algumas críticas feitas ao poder excessivo dado especialmente aos procuradores da República. Não são raras, de fato, as vezes, em que eles misturam suas convicções ideológicas ao exercício das suas funções. E as conversas reveladas pelo site The Intercept Brasil mostram isso claramente. Diversos gestores em variados níveis reclamam que hoje é praticamente impossível passar por uma administração sem responder a um processo. Um grau de desgaste, dizem, que muitas vezes produz efeito oposto à moralização. Diante da radicalização que criminaliza todo mundo, os honestos se intimidam e ficam aqueles que assumem o risco pelos lucros pouco republicanos que vislumbram.
A possibilidade de um freio de arrumação nisso, porém, pode vir por meios legais. Dificilmente virá pelo posicionamento de um presidente que imagina poder ter ingerência mais forte para barrar tal processo de independência. Que, no caso do Ministério Público, tem previsão legal – ele não é subordinado a nenhum poder. E, no caso da Polícia Federal, ganha musculatura de fato, ainda que legalmente exista a subordinação ao Ministério da Justiça.
Ao escolher Augusto Aras fora da lista tríplice, Bolsonaro parece estar em busca do seu Geraldo Brindeiro particular. Do seu engavetador geral da República. É preciso verificar até que ponto a corporação hoje, diante dos avanços que ocorreram desde o governo Fernando Henrique Cardoso, está disposta a respeitar um novo engavetador como chefe e até onde pode agir à sua revelia. As reações à decisão de Bolsonaro de ignorar a lista tríplice já se esboçam.
Já a Polícia Federal deu algumas seguidas mostras da pouquíssima disposição de ver suas investigações barradas por ordens de comando. Isso alimentou diversas rusgas nos governos petistas, à medida em que a Operação Lava Jato avançou. E rebelião mesmo quando Michel Temer escolheu para diretor da PF Fernando Segóvia. A tentativa agora de demitir Mauricio Valeixo produz suas reações.
Ao testar esses limites, Bolsonaro corre dois riscos. O primeiro é a desidratação política de que fala Bebbiano. O segundo é o da produção de novas rebeliões em grau bem mais agudo tanto no Ministério Públlico quanto na PF. E, aí, o risco é de ruptura institucional. De quebra de hierarquia. Uma das lições da democracia é que presidentes podem muito. Mas presidentes não podem tudo. E as democracias, quando consolidadas, às vezes se revelam um bocado fortes…