Na montagem da equipe ministerial do primeiro governo Lula, havia uma dúvida sobre qual seria a melhor opção: seguir o exemplo do antecessor Fernando Henrique Cardoso, contemplando com ministérios os partidos que dariam apoio ao governo no Congresso, ou assegurar a hegemonia do PT e buscar outros caminhos para garantir a maioria parlamentar.
Com a justificativa de não contaminar a gestão com o ingresso do então PMDB, todas as forças ao centro e à direita, exceto o PL que já tinha como dono Valdemar Costa Neto e abrigou o vice-presidente José Alencar, foram barradas. Com algumas grifes como Gilberto Gil, o jurista Marcio Thomaz Bastos, o banqueiro Henrique Meirelles e Ciro Gomes, todas as outras estrelas da equipe eram petistas.
A princípio, a fórmula até parecia estar dando certo, virou um escândalo quando se descobriu que essa suposta engenharia política era financiada pelo Mensalão.
Vinte anos depois, quando volta ao poder em circunstâncias muito mais complicadas, Lula tem dito e repetido desde a campana eleitoral que não fará um governo petista, mas, sim, a expressão de todas as forças que o apoiaram no primeiro e no segundo turnos, e as que se dispuserem agora a ajudar o governo. O problema é que o PT ora alega que não quer alimentar possíveis candidaturas adversárias em 2026, outras vezes diz não querer abrir mão de áreas consideradas estratégicas para o partido.
Na quinta-feira (1), em reunião com o presidente eleito, Lula avisou aos parlamentares petistas que Gleisi Hoffmann, que vinha sendo cotada para uma penca de ministérios, seguirá como presidente do partido. Os petistas, porém, vazaram o tamanho do naco de poder que ambicionam: o comando da economia, dos programas sociais, da articulação política e da gestão de governo. Após a reunião, o deputado José Guimarães, vice-presidente do PT, explicou que o partido pode ter até menos ministérios do que no passado, mas terá os mais relevantes para seu projeto de poder.
Na prática, o que ocorre é uma tentativa de esvaziar o tal governo amplo anunciado por Lula. Na Economia, além de Fernando Haddad na Fazenda trabalham também para emplacar um companheiro no Planejamento, o mais citado é Nelson Barbosa. No Desenvolvimento Social, que cuida do Bolsa Família e outras programas de ajuda assistencial, querem tirar a senadora Simone Tebet do páreo por alegado receio eleitoral. Cascata ou delírio. Qual o ministro que cuidou dessa área que foi bem sucedido nas urnas?
Querem também dividir o Ministério da Justiça em dois com a recriação da pasta da Segurança Pública. Pode até ser uma alternativa. Mas da forma colocada nos bastidores políticos a intenção é enfraquecer o senador eleito Flávio Dino (PSB), visto também como um possível rival do PT em 2026. Outra proposta é recriar um Ministério do Desenvolvimento Agrário turbinado com a Conab e um Plano Safra para a Agricultura Familiar, esvaziando o Ministério da Agricultura prometido por interlocutores de Lula ao agronegócio.
Esses são alguns exemplos de possíveis encrencas, atribuídas pelos aliados à gula petista, que estão tensionando os bastidores da Transição. Lula, que voltou a Brasília nesse domingo, vai ter que arbitrar esses e outros conflitos. Parecem – e são- questões menores diante do caos instalado pelo desgoverno de Bolsonaro. Mesmo assim causam incômodo, talvez desnecessário. Se quem está disposto a ser da base parlamentar não conseguir se entender, abre o caminho para o Centrão de novo nadar de braçada.
A conferir.