Não foram poucas as vezes, na sua longa carreira parlamentar, em que o então deputado Jair Bolsonaro viu-se às voltas com a discussão sobre se teria ou não quebrado o decoro. Em todas as ocasiões em que se discutiu a possível abertura de um processo de cassação do seu mandato, ao final seus pares acabaram passando a mão na sua cabeça e Bolsonaro acabou se safando.
O desfecho dessas situações acabou sendo esse por conta de dois possíveis aspectos, não necessariamente excludentes. O primeiro: testar os limites das instituições e da democracia tornou-se uma espécie de esporte para Bolsonaro. O segundo: muitas vezes, os demais deputados o consideraram um ser exótico, um integrante exaltado do baixo clero, a quem eventualmente dar muita importância ao que ele dizia seria talvez dar ainda mais projeção a ele.
Quanto ao primeiro aspecto, não resta a menor dúvida de que Bolsonaro segue semanalmente testando os limites das instituições e da democracia. Ele parece agir como uma equipe de Fórmula Um que corre o tempo todo com o regulamento debaixo do braço, não para respeitá-lo integralmente, mas para descobrir que brechas existem nele e de que forma elas podem auxiliá-lo a transgredi-lo.
E aí entra o segundo aspecto. Se as transgressões ao regulamento não produzirem qualquer efeito prático, é bem possível que as equipes adversárias não prestem muita atenção a isso. Mas e a brecha encontrada colocar a equipe na liderança do campeonato, certamente isso vai gerar reação dos adversários.
Se ao longo da vida parlamentar de Bolsonaro, transgressões à regra foram toleradas por seus pares porque eles o consideraram um exótico a quem não se deveria dar importância, fica claro que isso, se aconteceu, terá sido um erro estratégico. Foi isso que permitiu a ele criar a ideia do “Mito”, o político lacrador, que diz o que pensa, sem papas na língua. Aquele que traz, como ele mesmo diz, a “verdade”, para citar em seguida o trecho da Bíblia que diz que a verdade “libertará”.
Bolsonaro é hoje presidente da República. Portanto, quando ele testa os limites das instituições e da própria democracia, o efeito possível de tal ato é diretamente proporcional ao tamanho do cargo que ocupa.
Por outro lado, Bolsonaro parece bom no esporte que pratica. Ao testar os limites, ele parece sempre deixar suas próprias brechas. Ou suas opções de recuo. Se fica possível avançar a partir do limite estabelecido, avança-se. Se as instituições reagem, recua-se. Isso já aconteceu várias vezes. E parece ter acontecido de novo com a história do compartilhamento dos vídeos que convidam para as manifestações contra o Congresso.
Bolsonaro constrói a tese de que fez compartilhamentos de “cunho pessoal”, entre amigos no Whatsapp. Não institucionalmente, como presidente. É difícil separar o pessoal em alguém que, presidente da República, representa uma instituição. Diz também que os vídeos que ele compartilhou criticam, mas não falam em fechamento do Congresso. Mais que tudo, ele adota como postura apoio a uma manifestação em favor do seu governo, e não contra os demais poderes. Diante da reação dos demais poderes, houve um recuo.
Neste momento, o aspecto positivo de tudo isso foi a pronta reação das autoridades que representam os demais poderes e outras instituições. Demonstraram que parecem estar funcionando os famosos freios e contrapesos que mantêm os poderes equilibrados e impedem que um extrapole sobre o outro. O problema é saber que resiliência tem de fato uma democracia ainda não totalmente madura como a brasileira ao se ver testada o tempo inteiro. É saber se esse constante teste dos limites não equivale àquele velho ditado: “Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”.