Acabo de assistir a melancólica saída de Donald Trump da Casa Branca. É um golpista, suas palavras finais e a própria decisão de não transmitir o cargo ao sucessor atestam isso. Perdeu e tentou melar o jogo. Mas as instituições foram mais fortes, incluindo os setores Republicanos e conservadores do Legislativo e do Judiciário dos Estados Unidos. Até eles perceberam que, acima dos interesses políticos imediatos, havia algo mais importante, relacionado a valores democráticos, humanitários, tributários do bom senso.
Trump não conseguiu a cumplicidade política e institucional que precisava para desfechar seu golpe, mudando o resultado da inequívoca eleição de Joe Biden. Só pela tentativa, merecia ter seu impeachment aprovado, junto com a proibição de disputar novamente a presidência dos Estados Unidos. Mais ou menos como arrasar a terra e jogar cal em cima.
Merecer, merecia. A invasão do Capitólio mostrou que as forças que o apoiam ainda estão bem vivas, numa América dividida e mergulhada no sofrimento da pandemia. Mas o impeachment é controverso, e alguns alegam que vitimizar Trump talvez não seja a melhor decisão. O fato principal, inegável, é que, apesar dos pesares, do golpismo, da incompetência, da maldade, a maioria da sociedade americana escolheu não seguir com ele.
Joe Biden anunciou entre suas primeiras medidas o retorno dos EUA ao Acordo de Paris e a desistência de construir o muro na fronteira com o México – dois símbolos do obscurantismo trumpista nas áreas do meio ambiente e dos direitos humanos. Não é o fim de uma novela sobre a luta do bem contra o mal, mas um novo primeiro capítulo.
Trump vai voltar? Pode ser. O trumpismo continua. Antes de tudo, porém, trata-se de mais uma mistificação do milionário, que quer fazer crer que voltará. Que seja sua última fake news. Muita água vai rolar em quatro anos e cabe aos americanos não deixar. A narrativa dos 400 mil mortos pela pandemia e o conjunto de seu legado de inconsequência tende a se tornar mais forte com a troca de turno na Casa Branca. É bem possível que o eleitorado americano tenha aprendido algumas lições nessa oportunidade dada pela democracia. É a chance que teremos em 2022 – ou, quem sabe, até antes.