A inacreditável escolta da Polícia Militar do DF aos baderneiros golpistas, que invadiram e barbarizaram as sedes dos Três Poderes da República, foi a cereja de um bolo com camadas postas pelo mais variado leque de autoridades de segurança do passado e do presente. Foi uma espécie de conspiração a céu aberto que, quando se juntam as peças, parece uma tragicomédia.
Dois dias antes dessa invasão, na primeira reunião ministerial do novo governo, o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, apresentou um relatório sobre a grande desmobilização dos acampamentos bolsonaristas no entorno dos quartéis do Exército. De acordo com o documento, o número de pessoas aglomeradas na porta das unidades militares caiu de 43 mil para cerca de 5 mil, em um movimento acelerado na semana passada. Pareceu a Lula uma boa notícia.
Mas na verdade era ruim. Três dias antes, na terça-feira (3), os golpistas começaram a divulgar mensagens em massa, em aplicativos como o WhatsApp e Telegram, com convocações para uma espécie de batalha final em Brasília com todas as despesas pagas para quem aderisse ao movimento. Milhares de acampados fecharam as barracas, juntaram as trouxas e embarcaram nos ônibus ofertados em direção a Brasília, com o propósito explícito de tomar os palácios dos Três Poderes, como estopim para o Exército intervir e derrubar Lula.
O que parecia apenas uma sandince teve o caminho livre desde a decisão de trocar a ocupação da porta dos quartéis pela invasão da Praça dos Três Poderes. Marcharam em triunfo pela Esplanada dos Ministérios. O governador Ibaneis Rocha, que recebe uma fortuna dos cofres federais para manter a segurança da cidade, assegurava que estava tudo sobre controle, baseado em informes de seu controvertido secretário de Segurança, Anderson Torres.
Por sua vez, Anderson Torres tranquilizava a todos desde Miami, aonde teria ido se encontrar com seu ex-chefe Jair Bolsonaro, de quem foi ministro da Justiça e papel para toda obra. Evidente que tem as digitais de Torres na conivência das forças policiais com a invasão terrorista. Ele já foi demitido, pode ser preso. Na realidade, com seu passado obscuro, em que foi acusado de tortura pelo Ministério Público, o que o deixou afastado da PF durante anos, já havia sido uma escolha arriscada para os cargos que recentemente exerceu.
Mas ele foi e é apenas um pau mandado. O conjunto da obra mostra que quem concebeu, organizou, conseguiu financiamento, e facilitou a invasão dos baderneiros aos poderes republicanos, é bem mais poderoso do que a turba invasora. A investigação tem que ir mais fundo, apurar até o que deu errado nesse plano golpista, inclusive o propósito de bloquear todas as refinarias de petróleo.
Os planos eram mais ousados. A evidente falha da segurança do DF parece apenas a ponta do iceberg. Ao perceber o estrago, não bastou ao governador Ibaneis Rocha demitir Anderson Torres e gravar um vídeo pedindo desculpas a Lula e a todos os poderes alvos de violência no mínimo por sua negligência. Na madrugada dessa segunda-feira, o ministro Alexandre de Moraes afastou o governador por 90 dias.
Quem também passou o dia curtindo a vida foi o clã Bolsonaro, aqui e alhures. O ex-presidente Jair Bolsonaro não parecia nem aí em seu autoexílio dourado até sentir que a casa caiu. “Manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia. Contudo, depredações e invasões de prédios públicos como ocorridos no dia de hoje, assim como os praticados pela esquerda em 2013 e 2017, fogem à regra”, escreveu Bolsonaro.
Mesmo com as protocolares negativas, os investigadores sabem que essa conspiração vem de longe, parecem ter as impressões digitais de Bolsonaro e de alguns de seus auxiliares de mais confiança, como o general Augusto Heleno, e de empresários que financiam toda essa empreitada. É hora de começar a puni-los.
A conferir.
Ibaneis Rocha, governador do Distrito Federal – Foto Paulo H. Carvalho/Agência Brasília.