Dezenas de motivações levam um chefe-de-Estado a uma atitude dessa importância, determinar o ataque militar a outro país. O efeito e os riscos de uma ação com esta magnitude coloca o mundo em situação de alerta. Como estamos vendo, o presidente americano Donald Trump — aliado ao colega francês Emmanuel Macron e à primeira-ministra britânica Theresa May — determinou bombardeio a bases militares da Síria. E os sírios tem apoio da Rússia. A iminência de uma guerra sempre ronda o planeta quando isto acontece.
Evidentemente toda guerra tem motivações movidas por interesses. Comerciais, territoriais, hegemonia de liderança etc. Porém, como sempre, assim como os interesses das nações, as imagens são determinantes para o desfecho das guerras. Tanto para ações de ataque, como agora, quanto para o fim dos conflitos. Funcionam como acelerador. Mas também como freio. Basta ver em outras ocasiões, quando vídeos e sobretudo fotografias vêm a público e provocam o desejo de paz nas pessoas que as vêem.
Vimos a impressionante fotografia do sírio Abdel Hameed Alyousef abraçado aos corpos do casal de filhos gêmeos mortos pelo gás químico das bombas jogadas durante o ataque aéreo ao bairro onde mora, o povoado de Kahn Sheikhoun, no ano passado. Abdel, de 29 anos, perdeu, além dos dois filhos, a esposa Dalal e mais cinco parentes. Pura dor e sofrimento. Impossível não relacionar a força dessa chocante imagem com a razão do ataque dos mísseis.
Em geral, quem ataca tem razões. Nem sempre razão. Impossível imaginar que em pleno Século Vinte e Um, com o mundo organizado em instituições internacionais, como a ONU, os países não encontrem solução para os confrontos por meio da diplomacia. Quando a morte chega dentro da casa de cada cidadão não importa quem tem razão.
Hoje com a existência da Internet, as redes sociais e a simultaneidade que o processo digital oferece ao trânsito de imagens, tudo fica imediatamente exposto aos olhos de todos por meio das redes sociais.
Mas, quando ainda não existia a fotografia, as guerras aconteciam para os olhos de somente quem estava lá, no campo de batalha. Restava aos ausentes imaginar o resultado dos bombardeios, o efeito dos ataques e da luta. A dor, a devastação e a morte eram reproduzidas por pintores que ouviam o relato de um sobrevivente e transferia para as telas o drama segundo sua capacidade de expressão.
Com a invenção da fotografia, em 1839, a face da guerra deixava a imaginação imprecisa da pintura para ser vista sob o ângulo da realidade nua e crua das câmaras. O primeiro fotógrafo a levar a barbárie dos campos de batalha para os olhos das populações foi o americano Mathew Brady, lá nos idos 1863, durante a Guerra da Secessão, nos Estados Unidos. Pela primeira vez as pessoas distantes do campo batalha podiam ver corpos de soldados mortos numa batalha, no caso a da Pensilvânia.
As duas guerras mundiais foram, de certa maneira, mostradas à farta pela fotografia. Há imagens memoráveis de ambas, em sua grande maioria carregadas de dor e emoção. Expõem, sobretudo, não somente o dia-a-dia nos campos de batalha, mas também o interesse no poder de sedução das fotos. Fotografias passaram a ter valor muito além do sofrimento humano, dos soldados no front.
Já na guerra de 1914-18, as imagens eram usadas como apelo emocional, para unir a população em torno da causa. Repare na força visual da cena que mostra a organização e o empenho das mulheres e jovens que trabalham na fábrica de bombas na Inglaterra. E no sermão do reverendo militar falando do cockpit do caça às tropas inglesas.
A Segunda Grande Guerra gerou imagens inesquecíveis. Não somente nas trincheiras, mas também longe delas. Revelou e consagrou fotógrafos que se tornaram importantes e que produziram material essencial para a história. Robert Capa, Eugene Smith, entre outros, cobriram de perto o fogo cruzado das batalhas, o lado cruento da guerra. A vertente política não ficou longe.
Adolf Hitler fez questão de fazer desfilar suas tropas na Avenida Champs Elysée com o Arco do Triunfo ao fundo, quando invadiu Paris. Aquela imagem para propaganda nazista era o retrato do sucesso da conquista da Alemanha de então. Para os franceses, uma humilhação. Humilhação que o general De Gaulle resgatou com outra foto, no mesmo lugar, a Avenue Champs Elysée com o Arco do Triunfo ao fundo, quando voltou do exílio na Grã-Bretanha, com a derrota dos nazistas.
De lá para cá o mundo mudou. Muito. Mudou bastante. Incontáveis conflitos aconteceram planeta a fora. Cada um deles com suas razões. Novas questões surgiram na humanidade e velhas outras recrudesceram. Guerras entre países, entre grupos de nações, entre povos, entre gangues internacionais, entre cartéis, entre ideologias, do narcotráfico, religiões, empresas, governantes malucos, ditadores sanguinários etc etc. E também a fotografia mudou, a comunicação mudou. Muito. Agora o mundo cabe na palma da sua mão, em forma de tablet, aparelho telefônico ou microcomputador.
Agora vivemos a Era da Comunicação Total. A imagem virou ouro puro, é artigo de primeira. Nada acontece sem a presença da imagem. Aliás, a imagem tomou outro sentido além de ser somente imagem, fotografia. Agora existe a imagem da imagem. Virou parte essencial do também moderno marketing. O efeito emocional causado por uma fotografia é artigo de interesse número um.
Já vivemos os tempos da televisão e agora estamos em plena Era digital, na época da Internet, das redes sociais, das noticias online, imediatas, simultâneas, de tecnologias as mais modernas e inimagináveis.
Imagine você aonde chegou a criatividade humana em torno ou a serviço da guerra. Dia desses estava vendo na tevê um ataque de mísseis a uma cidade da Síria. Assustador! No nariz de uma bomba, uma câmara instalada transmitia ao vivo seu próprio trajeto. Agora você viaja com a desgraça. Seus olhos acompanham a velocidade da morte. Você vai a bordo do desastre, chega antes da explosão.
E lembrar que uma fotografia foi essencial para o fim de uma guerra, a do Vietnam. Publicada nos jornais de todo o mundo a imagem comoveu não somente as pessoas que a viram, mas também as autoridades internacionais, os diplomatas das Nações Unidas e entidades interessadas na paz mundial. A foto mostra a menina Kim Phuc, à época com oito ou nove anos, correndo despida ao lado de outras crianças, a fugir do ataque de bombas de napalm jogadas por soldados americanos. A foto de Nick Ut, da agência AP, mereceu o Prêmio Pulitzer de Jornalismo e o World Press de 1972. É, talvez, uma das imagens mais simbólicas de uma guerra.
Aliás, fotos de crianças vítimas do sofrimento condoem a qualquer um de nós. Ano passado, a imagem do menino sírio de três anos, Aylan Kurdi, é de estraçalhar corações. O garoto morreu nas areias da praia de Bodrum, na Turquia, quando sua família tentava chegar à Grécia a bordo de uma pequena embarcação que se chocou com outra a pouca distância da terra firme. É o espelho do drama das migrações que ocorrem agora, especialmente na Europa, com enormes caravanas de habitantes de países em guerra fugindo da pobreza e em busca de sobrevivência.
A foto feita pela jornalista Nilufer Demir comoveu o mundo. Tanto quanto a de outro menino resgatado dos escombros de um ataque à cidade de Aleppo, também na Síria. E olha que estou me atendo às imagens feitas fora do Brasil, relativas aos conflitos internacionais, de causas diferentes da violência das cidades e da pobreza. Sabemos que aqui, a violência não poupa não somente crianças, mas também todos os tipos de cidadãos.
É. É como disse uma apresentadora de tevê do Oriente Médio: – O que importa é o que está acontecendo agora na frente dos seus olhos. E ver também os membros da ONU reunidos sem enxugar uma lágrima.
E nós aqui discutindo foro privilegiado e prisão em segunda instância.