O Palácio de Queluz e a vinda da família real de Portugal para o Brasil

O Palácio de Queluz, perto de Lisboa

Palácio de Queluz, de estilo barroco neoclássico, é uma das raízes do Brasil. Lá residia a família real que, em 1807, deixou Portugal para vir morar no Rio de Janeiro.

Queluz fica pertinho de Lisboa, no caminho de Sintra, e é realmente um lugar muito aprazível, com pouco mais de 20 mil habitantes. Além das delícias do Restaurante Cozinha Velha, o lugar atrai os visitantes brasileiros porque lá nasceu, em 12 de outubro de 1798, uma das figuras mais interessantes da história do Brasil: Dom Pedro de Alcântara, que viria ser o nosso Dom Pedro I. Aliás, foi em Queluz – no mesmíssimo lugar – que nosso herói da Independência morreu.

Com nove anos de idade, o menino Pedro chegou ao Rio, deixando para trás os jardins em que aprendeu a dar os primeiros passos de sua vida. Acompanhava o pai imperador a mãe rainha, Dom João VI e Carlota Joaquina, e o irmão Miguel. Fugiam das tropas do general Junot, comandante do exército de Napoleão Bonaparte, que dominava a Europa e em breves dias chegaria a Lisboa.

O encontro histórico de Carlos Lacerda com JK. Foto Acervo da família Kubitschek

Foi também lá que, em 1966, o ex-presidente do Brasil Juscelino Kubitschek e o ex-governador do Rio de Janeiro Carlos Lacerda, ambos cassados pelos militares em 1965, encontraram-se para formar a Frente Ampla, união de políticos contrários ao golpe de 1964. No lugar onde nasceu Dom Pedro I, Lacerda e JK lançaram o famoso manifesto que pleiteava eleições diretas, a volta dos civis ao poder e reforma partidária.

Fui ao Palácio de Queluz cobrir o encontro do então presidente José Sarney com seu colega Mário Soares, durante visita oficial. No fim da festa, um amigo jornalista português tomou-me pelo braço e disse-me bem-humorado, com o forte sotaque lusitano:

– Ó pá! Querido brasileiro, venha ver de perto as fontes onde nadava nu o primeiro imperador de vosso país. É verdade que era bem pequenino!

Eu já tinha ido outras vezes ao Palácio de Queluz, mas achei interessante voltar para conhecer um pouco mais da história do Brasil. E foi ótimo porque pude observar com maior tempo as gravuras que ilustram as paredes. Muito enriquecedor reparar nas pinturas que retratam a partida de Dom João Maria José Francisco Xavier de Paula Luís António Domingos Rafael de Bragança para o exílio. Era fato e importante para os rumos do Brasil e de Portugal. Emocionante ver a cena. Parentes chorando com a partida de filhos, irmãos, pais etc no cenário do Cais da Ericeira e na Torre de Belém.

A esquadra que cruzou o Atlântico era composta por quatro ou cinco dezenas de embarcações, entre caravelas, fragatas, escunas e escaleres. A viagem da frota portuguesa durou mais de dois meses meses e foi acompanhada por navios da armada inglesa, com quatro mil homens, para dar segurança militar a Dom João VI e sua família, a bordo da Nau Capitânia.

O embarque da família real na Torre de Belém, em outubro de 1807

O embarque deu-se no dia 27 de outubro de 1807, porém os navios só zarparam no dia 29, por conta de uma tempestade no mar. No dia seguinte, entrava em Lisboa as tropas francesas, com trinta mil soldados comandados pelo general Jean-Andoche Junot. As forças da França invadiam Portugal, após a assinatura por Paris e Madri do Tratado de Fontainebleau, segundo o qual as terras lusitanas ficariam divididas entre Napoleão Bonaparte e o reino da Espanha.

Pressionado e sem exército suficiente para defender a pátria da invasão, a alternativa foi, então, deixar as terras portuguesas e instalar a Coroa no distante Brasil. Aos que patrícios que ficaram, Dom João VI recomendou que recebessem os invasores com toda hospitalidade. Pela primeira vez na história um rei governaria Portugal distante de seu país, numa colônia.

Conta-se que a imperatriz Dona Carlota Joaquina, mulher de Dom João VI e, portanto, mãe dos meninos Pedro e Miguel, no meio da correria que se instalou no Palácio de Queluz para escapar das tropas de francesas, no alarido que se formou para arrumar as malas e pertences, disse a uma de suas aias.

Dom João VI e Carlota Joaquina

Para que tanta pressa? Até parece que estamos a fugir de Napoleão! 

Controvérsias e bom humor à parte, a realidade é que a viagem para o Brasil soa como fuga até hoje para a história. Conta-se também que quando o general Junot tomou posse de Lisboa, pode ainda ver, ao longe, no horizonte do Rio Tejo misturando-se ao mar, do alto do Castelo de São Jorge, as caravelas que transportavam a família real para o Brasil.

Não se pode afirmar o número preciso de homens, mulheres e crianças, mas calcula-se em torno de trinta mil almas. Vieram figuras e nomes importantes da nobreza portuguesa, infantas, aias, empregados, e inclusive uma biblioteca com 60 mil volumes de livros pertencentes à corte lisboeta. Mas havia sobretudo bispos e padres, freiras, médicos, advogados, conselheiros, damas-de-companhia, pagens, amigos do rei.

A chegada da família real a Salvador em 22 de janeiro de 1808, em pintura de Cândido Portinari

A travessia, no começo foi tranquila. Com lacaios servindo iguarias finas. Mas depois, tornou-se desconfortável. A comitiva enfrentou tempestades, houve racionamento de comida e sofreu com uma peste de piolhos, o que levou as mulheres, inclusive da rainha Carlota Joaquina, a rasparem as cabeças.

Ao desembarcarem em Salvador, valeram-se de panos enrolados na cabeça para disfarçar o contratempo dos piolhos. As senhoras dos fazendeiros da Bahia que foram recepcionar a família real no cais do porto, imaginaram que os turbantes eram a última moda feminina na Europa e adotaram ao seu figurino para as festas, como bem relata o escritor Laurentino Gomes, meu ex-colega jornalista na revista Veja, em seu livro 1808.

Só após a passagem por Salvador é que a comitiva da família real chegaria ao Rio de Janeiro, em 7 de março de 1808. Esse fato mudou profundamente a história do Brasil. Não somente no comércio com outros países, como a abertura dos portos para comércio de importação e exportação de produtos. Mas também nos costumes, com o convívio dos chegantes com a população carioca. Criaram-se escolas de medicina, academias militares, teatros, a Imprensa Régia, laboratórios de ciências. E mais: aquela coleção de livros, mapas, documentos, manuscritos, moedas foi o que deu base à hoje importante Biblioteca Nacional.

A esquadra portuguesa nas águas do Rio, em março de 1808. Pintura de Geoffrey Hunt

 

 

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