Às nove horas da manhã do dia 28 de julho de 2009, a senhora Maria Luiza Hausch atende a uma chamada telefônica. Ouve da sargento Luciana, da Polícia Militar de São Paulo, que seu filho Alex sofrera um acidente. Tomada pelo susto, nervosismo e surpresa, ela pergunta:
-Ele está bem?
– Não. Ele morreu! Foi a resposta da policial.
Assim, de maneira direta e fria, a mãe do médico Alex Hausch, de 35 anos, recebeu a notícia da morte de seu filho.
Alex ocupava o banco do passageiro do carro de um colega do hospital onde ambos trabalhavam. Um automóvel em alta velocidade e desgovernado invadiu o estacionamento da lanchonete onde estavam, na Avenida Hélio Pelegrino, a quatro quadras de sua casa, e o atingiu em cheio. O amigo de Alex escapou com vida, ele não. O motorista causador da tragédia que enlutou a família do senhor Erich Hausch foi preso em flagrante. Mas foi liberado após pagar uma fiança de pouco mais de mil reais. Para fugir do processo, mudou-se para o Exterior.
“Ao sofrer um drama dessa gravidade, ficamos como que anestesiados, perdemos o domínio de nós mesmos e ganhamos a impressão de ser transportados para um mundo irreal. Um pesado impossível de compreender como sendo real” (Dona Maria Luiza)
Fui convidado, faz alguns anos, para realizar uma série fotos que abasteceria uma campanha contra a violência no trânsito, do Ministério das Cidades. O projeto intitulado “Dores” tinha a finalidade de, por meio de fotografias, sensibilizar condutores de veículos a dirigir com responsabilidade para evitar acidentes. As mortes por acidentes no trânsito são tema que afligem milhares, milhões de pessoas. Assunto sério. Muito sério. E triste.
Evidentemente, antes de dar início ao trabalho, eu tinha a certeza de que iria estar diante de personagens definitivamente marcados pela dor, pelo sofrimento, pela morte, pela perda de um ente querido, um familiar, um amigo, um conhecido.
Mesmo sendo um fotojornalista acostumado ao longo de anos a estar frente a frente de fatos os mais variados, de catástrofes e tragédias, não podia imaginar iria encontrar tanto sofrimento.
Entrei em contato, através de entidades que reúnem familiares de pessoas vitimadas por acidentes e, durante semanas me comuniquei com elas por e-mail e por telefone. Expliquei-lhes da importância de emprestarem sua imagem em benefício da causa. Para minha surpresa, nenhuma delas de opôs. Ao contrário, se dispuseram a posar para uma foto expressando sua dor, sua revolta, o clamor pela punição dos culpados.
Passei noites sem dormir e dias a fio concentrado, preocupado em dar um conceito ao conjunto de fotos. Pedi a cada um dos personagens – residentes em pequenas e grandes cidades de vários estados do País – que me enviasse uma fotografia de seu familiar falecido. Mandei imprimir a foto de todos e colocá-las num porta-retratos para estes tomarem parte da cena.
Pensei em luz, ângulos, planos, objetivas. Queria que o rigor estético fosse de extrema importância para conferir emoção a cada imagem. Queria a marca do jornalismo presente em cada situação. Só não me lembrei: nada é mais forte que o sentimento do ser humano e suas dores.
Logo na primeira sessão de fotos, o conceito e o padrão que eu traçara caíram por terra. Perderam de longe para a realidade em frente à minha câmara. Então, pude ver que a força das lágrimas, da consternação, da tristeza e, enfim, da dor de cada pessoa eram imbatíveis.
Em nome de atingir meu objetivo (cada imagem prender a atenção de quem a ver), pensei fazer fotos em preto-e-branco. A ausência das cores poderia oferecer maior dramaticidade. Depois, refleti se deveriam ser coloridas porque os matizes dariam maior caráter de realidade ao drama presente. Mas, ao ouvir uma senhora que perdeu o filho adolescente, optei pela técnica do Photoshop que reduz a força de cada cor. E o que disse-me mãe, com palavras carregadas de consternação?
– Ao receber a notícia da morte do meu filho, perdi a noção das distâncias, a precisão dos aromas, a delícia dos sabores e a beleza das cores.
Indescritível a sensação de colocar meu ofício para a finalidade de captar a aflição no seu mais alto grau. Não deixo de me recordar do livro “Diante da dor dos outros”, da ensaísta americana Susan Sontag, falecida em 2004. A escritora faz uma densa análise do que sente um fotógrafo com a missão de captar a amargura do ser humano.
Infelizmente, a campanha para a qual tanto eu quanto os diletos personagens desse trabalho nos debruçamos, não deu em nada. O governo mudou, o ministro saiu, “vemos isto depois” etc. Lamentável. Era, com certeza, uma peça importante para contribui com a diminuição das mortes no trânsito.
Orlando Brito