Banco Central erra a mão, e inflação estoura o centro da meta

Todo empresário sabe que o planejamento deve levar em conta fatores de risco e imprevistos. Apesar dos quadros qualificados, o Banco Central foi surpreendido pelos aumentos no final do ano. Resultado: inflação acima do centro da meta e fora das previsões otimistas

O comportamento da inflação em 2019 está indicando que o pessoal do Comitê de Política Monetária do Banco Central (Copom) errou de mão ao reduzir a taxa de juros básica para 4,5%. Ao longo de todo o ano passado, especialmente os analistas dos bancos e corretoras, reproduziam uma ideia de que a estabilidade da inflação justificaria uma queda mais acentuada das taxas de juros, o que acabou ocorrendo. Com isto, muitos investidores financeiros ganharam somas significativas com papéis do Tesouro Nacional.

A inflação apurada no ano passado foi de 4,31%, especialmente pela sua aceleração verificada em dezembro. Portanto, acima do centro da meta do BC, que era de 4,25%. Os mesmos “especialistas” em previsão de inflação justificaram o ocorrido pelo aumento imprevisto dos preços da carne bovina, alguns alimentos e transportes.

Com o aumento da inflação, a remuneração da caderneta de poupança teve rendimento real negativo. O poupador perdeu dinheiro. Se forem mantidas as atuais taxas de juros vai perder ainda mais em 2020 em função do aumento dos preços ocorridos.

Esqueceram do imprevisto

Ministro Paulo Guedes, chefe da economia, ainda não decidiu qual é a reforma tributária proposta pelo Governo Bolsonaro – Foto: Orlando Brito

Se há uma instituição no Brasil com quadros qualificados e informações para saber o que está ocorrendo na economia é o Banco Central. Todos os dados de consumo, renda, preços e desemprego, por exemplo são atualizados e analisados em cada reunião.

Tudo indica que o que faltou nas previsões do BC foi a inclusão dos fatores de risco. Qualquer empresário sabe que o imprevisto pode causar graves danos aos negócios. O aumento dos alimentos por fatores sazonais ou a elevação dos preços dos combustíveis por uma crise no Oriente Médio são riscos bem palpáveis.

Um colaborador direto do ministro da Economia, Paulo Guedes, fazia previsão de crescimento da economia em 2020 equivalente a 3% do Produto Interno Bruto (PIB) a partir de um crescimento da produção de grãos, em especial da soja que seria bem maior do que a de milho.

É como aquele ditado popular de contar com o ovo da galinha antes dela botar. Ou seja, neste momento grande parte da produção agrícola está com seus grãos em formação. Depende da chuva para crescer, do controle das pragas no desenvolvimento da planta e do tempo bom na colheita para se confirmar a previsão. Isso sem falar nos riscos de preços na comercialização.

Para 2020, de novo o otimismo

Como ocorreu no ano passado, as instituições financeiras, especialmente os dealers do BC, começam a fazer suas previsões otimistas de inflação, queda de juros e crescimento da economia, que dificilmente se confirmam.

Este otimismo exagerado deve-se à proximidade do chamado mercado financeiro ao ministro Paulo Guedes, que fala a linguagem do setor e até há pouco tempo fazia parte deste meio. Informação como foi divulgada ontem de que o governo pretende arrecadar R$ 150 bilhões com venda de estatais deixa este segmento muito animado com a possibilidade de negócios e ganhos que poderão ter no mercado de capitais.

A realidade para o industrial ou empresário de serviços é verificada com os resultados objetivos de faturamento, além do reflexo do crescimento da economia verificado com a venda, contratação de pessoal e pagamento dos impostos. Neste mundo é fato que houve uma reação no segmento de automóveis e imóveis, sobretudo pela possibilidade de mais crédito em conta.

Crédito vai continuar caro

É verdade que as atuais taxas básicas de juros nominais , as menores praticadas no Brasil, devem contribuir ao longo prazo para tornar mais barato o custo do dinheiro ao empreendedor e consumidor. Com redução dos custos do dinheiro será possível a oferta de produtos a preços mais competitivos no mercado interno e externo.

A taxa de juros para o tomador de crédito bancário, no entanto, está bem acima das taxa básica. É que o spread bancário, a diferença entre esta taxa de juros de 4,5% e o custo final para o tomador, é um fator que inibe a maioria das pessoas a se endividar.

Consumidores vão às compras – Foto Tânia Rego/Agência Brasil

É verdade que grandes empresas hoje podem ter acesso a recursos em operações feitas com debêntures incentivados com custos equivalentes à variação da inflação e juros reais da ordem de 3%, mas isso não vale para a grande maioria dos empreendedores e consumidores.

A picanha não tem culpa

Apenas um alerta ao pessoal do BC para o fato de que não foi a picanha a responsável pela inflação dos pobres. O Ipea divulgou um estudo apontando que a inflação da população de baixa renda em 2019 ficou em 4,43%, enquanto a de alta renda em 4,16%.

É verdade que a população de baixa renda não come picanha e nem faz poupança, mas se tivessem dinheiro estariam aplicando na poupança com juros negativos. Já aqueles mais ricos, além de preservar seu poder de compra, estariam conseguindo uma remuneração bem maior para o capital.

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