Quem conhecia Itamar Franco de outras épocas sabia. E e os jornalistas que cobríamos os fatos da seara do poder também: o novo presidente, o vice que entrou no lugar de Fernando Collor assim que este sofreu o impeachment, era completamente avesso às formalidades.
Doutor Itamar detestava, por exemplo, aquilo que mais se encontra nos palácios e é originalmente chamado no idioma francês de entourage. Em bom português, o pessoal que gravita em torno de Suas Excelências.
Desde quando foi prefeito de Juiz de Fora – em 1967, e quando desembarcou em Brasília eleito senador por Minas, em 1974 – Itamar Augusto Cautiero Francoi não gostava da tal entourage. Puxa-sacos, portanto, era algo fora de qualquer cogitação.
Itamar demonstrava irritação toda vez que via-se cercado por assessores. Não escondia seu desconforto e conseguia maneira de afastar-se da cena. Era tido como dono de personalidade forte, sujeito complexo, sistemático, complicado. Mas, enfim, era seu jeito. E além do mais, agora era Presidente. Da República.
Ao assumir a Chefia-da-Nação, tinha então que abdicar de muitas de suas vontades e tolerar a rigidez do Serviço de Protocolo, da segurança etc. Na primeira vez que Itamar Franco desembarcou no Planalto para dar início à sua nova vida enfrentou contrafeito os padrões de etiqueta do poder. Ao sair do automóvel presidencial, deu de cara com um numeroso pessoal de apoio, como se diz na linguagem palaciana.
Para recebê-lo, havia uma fileira de soldados a prestar-lhe continência; o embaixador-chefe do Cerimonial e mais um diplomata; o major ajudante-de-ordens; um oficial do Gabinete Militar da Presidência; o ministro da Casa Civil, além de um renque de funcionários, seguranças, servidores e serviçais. Enfim, era muita gente que nem dava para enumerar.
Por conhecer bastante a maneira simples do doutor Itamar Franco e tê-lo fotografado muitas vezes ao longo de anos, eu tinha certeza que aquilo não iria dar certo. E não deu mesmo. Em uma ou duas semanas, o novo presidente determinou que seria doravante seria recebido somente pelo ministro da Casa Civil, Mauro Durante, ou sua secretária particular, Ruth Haargreaves. E só. Mais ninguém.
Um belo dia, lá pelas quatro da tarde, a senhora Haargreaves foi ao Comitê de Imprensa do Planalto. Chamou-me de um lado e discretamente disse-me que Doutor Itamar queria um minuto de conversa comigo. Fiquei surpreso. Comigo?, surpreendi-me. É claro, não deixei de atender ao chamado de Sua Excelência.
Ao entrar em seu gabinete, o cumprimentei:
— Boa tarde, presidente!
Ele então respondeu:
— Boa tarde. Eu sou presidente, mas você pode me chamar de Itamar.
Mostrou-me a réplica do busto de mármore do Tiradentes que havia encomendado a um escultor de Minas e levado para o gabinete. Serviu-me um cafezinho e dois pães de queijo. Perguntou-me:
– Como estão as coisas lá fora?
Não entendi direito o que o presidente desejava saber. Conhecendo seu jeito diferente, imaginei que buscava opinião de alguém comum sobre o que acontecia nas ruas. Então respondi que as pessoas, por onde eu andava, estavam reclamando dos serviços de transportes públicos, principalmente da qualidade dos ônibus. Ele arregalou os olhos, reorganizou com as mãos o vasto topete, anotou alguma coisa num cadernão sobre sua mesa e retomou a conversa. E, por fim, se disse incomodado com o cerco de muitos assessores. Dizia-se desconfortável com aquilo.
Antes de despedir-me, então, indaguei ao presidente por qual razão afinal havia dispensado o tal dispositivo montado para esperá-lo no desembarque no Planalto. E sua reposta foi simples, bem ao estilo Itamar, com toda franqueza:
– Uai, era muita gente. Era gente demais, uai!
Portanto, essa foto aí de Itamar Franco ao desembarcar do automóvel presidencial nos jardins do Planalto às oito da manhã, em ponto, é uma das raríssimas em que aparece cercado pela trupe de assessores palacianos.