A impressionante história do índio Yanahin e suas fotos (Parte 2)

A foto de Yanahin mostra uma cena comum em sua aldeia: índios com peças de cerâmicas se dirigem para a grande oca em construção. Prestemos atenção na discreta presença das sandálias de borracha e nos tênis de tecido nos pés dos dois Waurás no primeiro plano. E também na panela de alumínio e no retalho de plástico junto à cabana de palha.

13Contei no texto anterior, a impressionante história do índio Yanahin Matala, nascido na aldeia Waurá, no Parque Nacional do Xingu, em Mato Grosso. Eu disse de como os amigos fotógrafos Evandro Teixeira, Igo Estrela e Rogério Reis e a esposa Maíra, e eu o conhecemos, quando fomos documentar a festa do Quarup, em 2012. No capítulo de ontem discorri sobre o nosso personagem, aquele que nos levou em seu possante Toyota da pista do Posto Leonardo à aldeia Yawalapiti – do cacique Aritana e seu irmão Piracumã. Relatei que o Yanahin, apaixonado por fotografia, trocou a direção do jipe por uma câmara digital.

Aritana, à esquerda, e o irmão Piracumã, ao centro, com um guerreiro kuikuro, na aldeia Yawalapiti

 

E como eu soube disso? Ora, um belo dia, um ano depois de nossa ida à aldeia Yawalapiti, adivinhe quem fez contato comigo no FaceBook, adicionando-me como amigo? Yanahin, o próprio. Aquele índio fissurado em fotografia e que pedira meu endereço de e-mail. Como não havia me esquecido de tal personagem tão diferente, comemorei e perguntei-lhe na janelinha de chat como ia a vida no Xingu. Respondeu-me:

– Brito, sensacional. Vida nova. Estou feliz com minha Canon 60D, digital. Dois zooms. Equipamento usado, mas bom. O suficiente para me permitir fazer essas fotos que acabei de enviar para seu e-mail. Queria que você as avaliasse.

Caramba! A princípio pensei tratar-se de uma brincadeira do amigo Evandro, sempre armando situações pilhéricas. Na mesma hora abri minha caixa de mensagens do Gmail. E lá estavam várias fotos de autoria do mais novo fotógrafo do Brasil. Provavelmente o primeiro índio colega de profissão, o Yanahin Matala Waurá.

Festa de Natal na aldeia, na foto de Yanahin Matala

Como o Yanahim me havia pedido avaliação de suas imagens, não neguei meu modesto auxílio. Observei cada uma de suas fotos. Algumas com acerto e outras com problema de foco e luz. Atendi, então, a seu pedido para orienta-lo à distância, por meio do FaceBook. Isso mesmo, e por e-mail. Porém, indaguei-lhe como ele conseguira acesso à Internet. E sua resposta qual não foi:

– Brito, amigão, acesso a rede por três maneiras. A primeira na cidade, em Canarana, e a segunda no Posto Leonardo, que é a sede da Funai no Xingu. Mas as conexões lá são lentas. Por isso prefiro conectar-me em minha aldeia. É limpa, veloz e segura.

Danado aquele Yanahin. Arranjou uma maneira de as antenas de satélite de sua aldeiazinha no coração do distante Parque do Xingu oferecerem não somente sinal de tevê, mas também de Internet. Com ajuda de seu irmão Apapauá, professor de biologia, formado na Faculdade do Índio de Barra do Bugre, em Mato Grosso, conseguiu instalar equipamento que lhe possibilitou alcançar a rede mundial de computadores.
E foi usando a comunicação pela Internet que passei bom tempo orientando o Yanahin. Dei palpites e sugestões para abordagem de um tema em que ele era, e é, privilegiado pela presença permanente e ter um olhar digamos diferente dos fotógrafos forasteiros, como os amigos Rogério Reis, Igo Estrela, Evandro Teixeira, eu mesmo e outros mais.

Porém, intrigou-me um detalhe: de que maneira Yanahin dispunha de energia elétrica para pôr em funcionamento seu computador e, sobretudo, manter carregadas as baterias de sua câmara digital?

– Simples. Conseguimos com o pessoal do ISA-Instituto Sócio Ambiental, um conjunto de placas solares com capacidade para armazenar energia para os aparelhos eletrônicos de nossa aldeia, a Piyulaga Waurá. Aqui nunca falta luz, porque aproveitamos o brilho do sol.

Na aldeia de Yanahin, a antena que permite conexão com a internet via satélite. Também a placa de capitação de energia solar. E, ainda, o telefone comunitário que serve a todos os índios na aldeia Pyiulaga. Lá, alguns casebres de alvenaria com telhado de zinco, e cercas de arame farpado se misturam com árvores frutíferas.

Bem, com nosso Yanahin agora dispondo de condições para realizar seu sonho de fazer fotografias, passei dialogar com ele regularmente pelo Face.

Ressaltei a importância de ele registrar as cenas do dia-a-dia das aldeias. Os velhos, as mulheres, as festas, os guerreiros, as crianças, o trabalho nas roças, as construções, a comida, os costumes, a pesca nos rios e lagoas. Enfim, tudo que pudesse transformar em imagem. O fiz entender que tinha chance ímpar de captar referências para estudo sobre os índios.

Outro olhar de Yanahin: com a energia produzida por placas solares, o freezer no meio da oca e à disposição das mulheres índias.
O jogo da força, ou o cabo de guerra, no centro da taba. Foto do Yanahin
Chegando à aldeia Yawalapiti

Ao longo do tempo, porém, à medida que ia me enviando e-mails, percebi que somente as minhas “aulas” à distância eram insuficientes para a prática de um ofício que envolve técnica, processo de certa forma complexo. Orientei ao Yanahin que buscasse ajuda também com o Renato Soares, um dedicado fotógrafo que há anos retrata a vida dos povos do Xingu e que está sempre presente nas aldeias.

A dança do Peixinho Lambari, segundo Yanahin

Bom eu dizer que enfatizei sempre a sua liberdade para retratar o que bem desejasse, o ângulo, o momento, o enquadramento, tudo segundo seu ponto de vista. Tive, em minhas “aulas” via Internet, o cuidado e cautela para não deixar contaminar seu olhar com uma possível interferência direta minha. Me adstringi a continuar lhe dando ânimo para realizar seu trabalho, sem influência intrínseca no conteúdo. Nada de alterar a direção do que Yanahin queria comunicar com a pureza do seu enxergar, seu conceito de estética. Chamava sua atenção para dosar a quantidade de fotos internas, dentro das ocas, com as externas, na praça das tabas.

Ao pôr-do-sol, a oração coletiva dos lutadores Kalapalo. Foto Yanahin Waurá
Mãe amamenta a filha bebê. Foto Yanahin Waurá

Torço para que seu trabalho interesse a alguma entidade, fundação, universidade, grupo de estudos, de sociólogos, instituto de antropologia, algo assim. Deveria transformar-se em livro. Ou exposição, massa de trabalho para etnólogos, por exemplo.

Formação de professores da cultura indígena na aldeia Kuikuro. Yanahin Waurá

O certo é que daquele Quarup de 2012 até hoje muita coisa mudou. A começar pelo destino do próprio Yanahin. Deixou de ser motorista e tornou-se um baita fotógrafo. Piracumã, o sábio irmão do cacique Aritana Yawalapiti, faleceu, vitima de um infarto. O lendário Takumã, chefe dos Kamaiurá, outra aldeia próxima do Posto Leonardo, também morreu. E aquele frívolo Yanahin Matala deu novo rumo à sua vida.

A pose do cacique Kamala, na Aldeia Piyulaga: imagem da hieraquia. Foto Yahanin Waurá

Depois do “empurrão” que lhe demos na tribo do cacique Aritana, de posse de uma Canon 60D com dois zooms usados, mas bons, e com acesso à Internet em sua aldeia, Yanahin estava realizando o antigo sonho de ser fotógrafo. Ampliou seus contatos com pessoas para ajuda-lo.

– Minha escolaridade é pouca, só fiz o ensino fundamental, na escolinha do Posto Leonardo. Não tenho suficiente fluência na língua portuguesa para escrever e por isso pedi ao Hugo Meirelles, da Funai, que elaborasse um projeto junto ao Ministério da Cultura, que concede bolsa de estudo na área de antropologia.

A brincadeira das crianças Kamaiurá durante a tempestade de areia. Foto Yanahin Waurá

Com os quarenta mil reais que recebeu da bolsa de cultura, Yanahin equipou-se melhor. Comprou câmara nova, com zoom zerado. Dedicou-se com afinco às fotos. Um belo dia apareceu em sua aldeia uma equipe de jornalistas da Coreia.

Convidado pelo governo da Coréia, Yanahin faz pose em Seul, com a temperatura beirando a zero grau

Ficaram encantados com a desenvoltura do nosso personagem e a qualidade de suas imagens. Convidaram-no para apresentar suas fotografias num encontro de cultura de raças em Seul. O mesmo aconteceu com o pessoal da Rádio e TV da França.

E lá foi o nosso Yanahin mostrar suas fotos longe do Brasil. Esteve também no Paraguai. E só não foi para os Estados Unidos porque não lhe foi concedido visto no passaporte.

O jovem do Xingu e árvore medicinal. Foto do Yanahin
Festa na aldeia. Yanahin fez questão de incluir na cena os utensílios de aluminio e os indios usando camisa polo

Bem, o desfecho dessa sensacional história conto para você no próximo texto. Amanhã. Não deixe de ver.

Esta é uma série de três postagens. Clique aqui para ver o primeiro capítulo ou aqui para conhecer o desfecho.

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