Geraldo Vandré, 50 anos depois

Vandré em sua aprensentação em João Pessoa. Foto Alberi Pontes

Nesse fim de semana, após 50 anos de mergulho no anonimato, o compositor Geraldo Vandré voltou a se apresentar em público. Foi num show no Espaço Cultural José Lins do Rego, em João Pessoa, sua terra natal. Ele é o autor da canção de título duplo e que virou ícone de resistência e protesto contra o regime militar: “Caminhando” e “Prá não dizer que não falei de flores”.

A música de Vandré ficou em segundo lugar no Festival Internacional da Canção, realizado no Rio de Janeiro, em 1968, com Ginásio do Maracanãzinho lotado e dividido com a decisão dos jurados. Até hoje, cinquenta anos depois, controvérsias e histórias sobre a preferência dos jurados não faltam. A vencedora foi “Sabiá”, de Chico Buarque e Tom Jobim.

Pela força simbólica e poética dos versos de “Caminhando”, a plateia fez relação direta com os tempos que o Brasil vivia, sob o comando do marechal Costa e Silva. Levada ao ar pela televisão, não tardou que em todos os recantos do País a obra musical se tornasse sucesso popular. Transformou-se em hit durante os chamados anos de chumbo no Brasil. Porém, com a vigência do Ato Institucional Número Cinco, editado pelo governo em dezembro de 1968, a canção de Geraldo Vandré foi igualmente a outras, censurada.

O AI-5 foi um decreto presidencial que vigorou por dez anos e somente foi revogado no governo do general Ernesto Geisel, em 1978. O ato proibiu o direito de reunião dos cidadãos, cassou mandato de parlamentares e governadores, promoveu inúmeras prisões de pessoas que contestavam o regime, fechou o Congresso, restringiu a liberdade de expressão e estabeleceu a censura à imprensa, cinema, teatro e até à música.

Obviamente, a canção “Cantando”  figurava no topo da lista de obras censuradas. Em decorrência disto, Vandré tomou destino incerto e não sabido. Há versões que dão ares de mistério ao seu sumiço. O certo é que agora o compositor voltou a se apresentar. Vestiu-se de branco e portou bandeira brasileira para se apresentar, acompanhado da Orquestra Sinfônica da Paraíba, com reforço da pianista Beatriz Malnic. Cantou não somente “Prá não dizer que não falei de flores”, mas todas suas genias composições, inclusive “Disparada”.

Me recordo que, em 1969, em frente Congresso, fiz essa foto aí, de populares que faziam manifestação contra o governo. O marechal Costa e Silva, segundo presidente do regime militar, havia sofrido uma embolia cerebral e viria falecer semanas depois. Impossibilitado de governar, o marechal teve de ser afastado do Palácio Planalto. Seu vice, Pedro Aleixo, era civil e foi descartado para substituí-lo. Em seu lugar, assumia o poder uma junta militar, composta por um general, um almirante e um brigadeiro.

Caminhando e Cantando. Foto Orlando Brito

Prá não dizer que não falei de flores

Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Caminhando e cantando
E seguindo a canção

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Pelos campos há fome
Em grandes plantações
Pelas ruas marchando

Indecisos cordões
Ainda fazem da flor
Seu mais forte refrão
E acreditam nas flores
Vencendo o canhão

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Há soldados armados
Amados ou não
Quase todos perdidos
De armas na mão
Nos quartéis lhes ensinam
Uma antiga lição
De morrer pela pátria
E viver sem razão

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

Nas escolas, nas ruas
Campos, construções
Somos todos soldados
Armados ou não
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Somos todos iguais
Braços dados ou não

Os amores na mente
As flores no chão
A certeza na frente
A história na mão
Caminhando e cantando
E seguindo a canção
Aprendendo e ensinando
Uma nova lição

Vem, vamos embora
Que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora
Não espera acontecer

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