Escutas, espionagem e hackers – Também o presidente João Figueiredo foi grampeado

O "grampo" encontrado no gabinente do então presidente Figueiredo. - Fotos Orlando Brito

Não é a primeira vez que escutas telefônicas envolvendo nomes importantes da República acontecem no Brasil, como agora no episódio dos hackers que chegaram às mensagens de autoridades dos Três Poderes, divulgadas pelo site The Intercept.

Impensável, mas aconteceu na época, 1983, quando a Internet e as redes sociais da Era Digital, nem existiam.

E como aconteceu? Mesmo com o rigor, segurança e a vigilância do regime militar, o presidente João Figueiredo teve um aparelho de escuta colocado clandestinamente em seu gabinete no terceiro andar do Palácio do Planalto. Logo ele que sabia tudo sobre o assunto, já que antes de sentar-se na cadeira presidencial, fora chefe da Casa Militar da Presidência da República na época de Garrastazú Médici e do Serviço Nacional de Informações, órgão de inteligência do governo Ernesto Geisel. O SNI era o terror para muita gente. Aquele que fosse alvo do temido SNI não tinha sossego.

O general João Figueiredo – Foto Orlando Brito

Como foi o episódio Figueiredo? Eu mesmo, jornalista da revista Veja que cobria a Presidência vi e fotografei o desenrolar do caso.

Aconselhado por assessores próximos, o presidente João Figueiredo concordou com mudar tudo em sua sala de trabalho. O general às vezes reclamava que seu gabinete era antigo, mal distribuído, precisava de nova decoração, um ambiente menos sisudo etc. Alguns auxiliares de Sua Excelência, na verdade, diziam que nem precisava, mas Figueiredo acabou autorizando a mudança. Afinal, após as obras, o lugar ficaria mais iluminado. Receberia a luz do sol porque ganharia vidros blindados. Assim, as cortinas poderiam enfim ficar abertas.

Para que as obras corressem sem atropelos, o presidente resolveu despachar no Palácio da Alvorada. Por bom tempo dividiu o local de trabalho e a residência entre a Granja do Torto e o Alvorada.

Um belo dia, o serviço de segurança da Presidência convocou a imprensa para uma entrevista coletiva. Algo surpreendente para a época, entrevista coletiva oferecida pela segurança do presidente. E o assunto era: antes de devolver as instalações para uso do general Figueiredo, fez-se uma minuciosa varredura eletrônica. E a revelação era que descobriram lá o “grampo”, escondido atrás do novo revestimento de madeira, bem perto da central telefônica do gabinete presidencial.

O comandante Siqueira e o “grampo” no gabinete do presidente Figueiredo – Foto Orlando Brito

Quando chegamos, os jornalistas fomos encaminhados diretamente ao gabinete recém-reformado. Para nossa surpresa, foi-nos apresentado pelo comandante Siqueira um artefato que a gente até então sabia que existia, mas jamais tinha visto. Era essa peça aí da foto, uma caixa de maneira com um conjunto de microfones e baterias para manter em funcionamento os tais aparelhos. Parecia uma peça empírica, montagem caseira, sem a sofisticação que todo mundo imaginava.

O oficial, especializado em informações, explicou que o aparelho era composto de três baterias, uma antena e pequenos estojos que funcionavam como estações transmissoras de ondas de rádio. Nas extremidades da caixinha de madeira, o “grampo” propriamente dito. Ou seja, duas presilhas que tinham a função de conectar o sistema aos cabos do telefone. Não muito distante dali, muito provavelmente em uma das salas vizinhas no terceiro andar do Planalto, outro aparelho se encarregava de gravar o que era dito por Sua Excelência.

Entretanto, o que mais nos chamou atenção, é que o próprio general Figueiredo não deu a menor importância ao fato. Desdenhou. Talvez por essa razão nunca se descobriu a identidade de quem tentou grampeá-lo. Foi notícia dos jornais durante uma semana. O tal “quem foi, quem não foi o autor?”. E o tema acabou desaparecendo do noticiário. Sinistro…

O então presidente Sarney fala ao telefone no gabinete do Planalto – Foto Orlando Brito

Recordando: Tancredo Neves e José Sarney igualmente tiveram suas conversas gravadas por “arapongas”, os hackers daquela época, apesar do cuidado que sempre tiveram ao falar ao telefone. E não foram, porém, os únicos a ser monitorados por gravações clandestinas, além do general João Figueiredo em pleno exercício da Presidência. De lá para cá, a tecnologia sofisticou-se e a aparelhagem para isto aperfeiçoou-se. Também a ex-presidente Dilma Rousseff foi vítima de espionagem e o fato acabou por criar distanciamento dos governos brasileiro e americano. Ela mesma reclamou a Barak Obama.

Também o senador Demóstenes Torres – que acabou perdendo seu mandato parlamentar por envolvimento no escândalo do empresário de Goiás Carlinhos Cachoeira – e o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, foram alvos de espionagem, em 2012. Já naquela época, dizia-se que eram quatrocentos mil o número de telefones monitorados em todo o Brasil. Hoje, com o caso The Intercept/LavaJato/SérgioMoro, diz-se que mais de mil autoridades tiveram suas mensagens alcançadas pelos hackers.

Em 1990, quando Fernando Collor assumiu a presidência, uma de suas primeiras medidas foi extinguir o tal SNI.  Pôs fim ao SNI e criou a SAE – Secretaria de Assuntos Estratégicos. Ainda assim, descobriu-se que os agentes do novo órgão criado por ele próprio estavam xeretando os diálogos da ministra da Economia, Zélia Cardoso de Mello. Depois de Collor, também os presidentes Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso não ficaram imunes às escutas.

Orlando Brito

 

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