“Ninguém vota em vice”. Todo mundo conhece essa máxima. Ela se refere ao nome daquele que vai compor a chapa que concorre ao Palácio do Planalto como substituto do titular, ou seja, ao vice-presidente da República. Em muitas eleições passadas, a dupla de candidatos já chega às convenções partidárias decidida, após conversas, intrincados acertos e laboriosas definições.
Nessa próxima eleição presidencial, porém, impressiona justamente a não definição de quem será vice na chapa de quem. Divergências são sempre o que impossibilitam as soluções.
As principais candidaturas estão postas. Aliás, metade delas. Falta a outra parte, exatamente o nome do vice. Quem arrisca, por exemplo, garantir o nome do companheiro de Geraldo Alckmin na disputa à Presidência? E o de Ciro Gomes, Marina Silva, Jair Bolsonaro, Henrique Meirelles? Sem falar de outros disputantes, inclusive Lula, que embora preso, acalenta o sonho de candidatar-se.
Depois de dias e dias de conversas e conjecturas, Josué Gomes, filho do ex-vice-presidente de Lula – José Alencar – declinou do convite para ocupar o lugar ao lado de Alckmin. Pediu tempo para pensar e, por fim, agradeceu a gentileza da oportunidade. Interessante como um só nome pode interessar ao mesmo tempo a dois partidos tão antagônicos, no caso, o PT e o PSDB. Há quem afirme que o ex-ministro de Dilma, Aldo Rebelo, será o escolhido por Alckmin. Mas as apostas agora giram em torno de Mendonça Filho, do Democratas. Relembrando, Mendonça foi vice do governador Jarbas Vasconcellos em Pernambuco e assumiu o Palácio das Princesas quando Jarbas foi para o Senado. Também Geraldo foi vice: de Mário Covas, em São Paulo.
A candidata da Rede Sustentabilidade, Maria Silva, também não definiu seu companheiro de chapa. E possibilidades não faltam. Nesta semana o nome mais forte é o do presidente do Clube de Regatas do Flamengo. Crê-se que, por ser dirigente de um time de futebol popular, Eduardo Bandeira de Mello seja o ideal. Mas há rumores de que o deputado carioca Miro Teixeira pode atender ao pedido de Marina.
Por Ciro Gomes também passou a possibilidade de Josué Alencar. Porém, não aconteceu. Ciro realizou convenção do PDT com promessa e esperança de que em breves dias apresentará seu escolhido. Imagina-se que venha das fileiras do PSB de Márcio França, vice e Alckmin no governo de São Paulo.
Na próxima quinta-feira, o ex-ministro de Lula, Dilma e Temer, Henrique Meirelles terá seu nome aprovado como candidato do MDB. Porém, dificilmente terá definido seu companheiro de chapa. Há quem acredite que, mais além, caso seu nome e o de Marina não subam nas pesquisas, ambos juntem-se numa só coligação. São conjecturas. Mas seria a chance de juntar o lado social de Marina com o viés econômico de Meirelles. Restaria, nesse caso, saber quem seria vice de quem. Difícil e impossível para uns. Viável para outros.
Jair Bolsonaro está sempre presente no topo das pesquisas. Mas até agora não decidiu sobre seu vice. O Senador Magno Malta e os generais Augusto Heleno e Mourão também recusaram o convite do PSL. A expectativa agora gira em torno da aceitação da advogada paulista Janaina Paschoal, uma das autoras do pedido de impeachment de Dilma Rousseff, aliás, substituída pelo vice Michel Temer, após sua saída da Presidência. A lista segue, com o príncipe Luiz Philippe de Orleáns e Bragança e do astronauta cearense Marcos Pontes.
E olha que a nossa história está repleta de vices assumindo o poder. Floriano Peixoto foi o primeiro, assim que o Brasil proclamou a República e derrubou o Império, em 1889. Elegeu-se presidente para suceder a outro marechal, o conterrâneo alagoano Deodoro da Fonseca. Logo depois, o médico baiano Manoel Vitorino assumiu o governo quando o titular Prudente de Moraes, sofrera um atentado. Ficou por quatro meses. E nesse pequeno espaço de tempo fez várias mudanças, inclusive levar a sede do governo do Palácio Itamarati para o Catete, no Rio.
Delfim Moreira, nascido em Minas, entrou para completar o mandato do paulista Rodrigues Alves, quando este faleceu em decorrência de uma febre, supostamente a amarela ou dengue, em 1919. Em 1945, caía o Estado Novo, período ditador de Getúlio Vargas, que comandava o país desde 1934. Com a deposição de Getúlio, a Presidência vai para as mãos de José Linhares, do Ceará, numa articulação com os militares. Ficou até a eleição do marechal Eurico Gaspar Dutra, nascido em Cuiabá. Vargas, porém, volta ao poder eleito pelo povo em 1951. Escolheu para vice, o jornalista e advogado Café Filho, do Rio Grande do Norte.
Em 1954 Getúlio novamente deixa a Presidência. Desta vez, com o inesperado e trágico suicídio, após uma série de crises que envolvia Carlos Lacerda, da UDN. Então, o vice João Café Filho assume. Sofre ameaças de golpe, mas resiste com apoio do marechal Henrique Teixeira Lott. Garantiu-se a eleição de Juscelino Kubitschek, cujo vice-presidente foi João Goulart.
Na eleição de 1959, Jango torna-se de novo vice, agora do eleito Jânio Quadros. Jânio renunciou sete meses depois, em agosto de 1961. Até hoje não se sabe a verdadeira causa de sua abdicação. O certo é que sua cadeira no Planalto foi para Jango.
Em 1964, houve o golpe militar que tirou Goulart do poder. O marechal Costa e Silva, segundo presidente da Revolução de 64, faleceu em 1969. Seu vice era civil, o jurista Pedro Aleixo, e não lhe foi dada posse. Em seu lugar, uma junta militar composta por um general, um almirante e um brigadeiro respondeu pela República até a escolha de outro general, Garrastazú Médici.
Depois de 21 anos de militares no poder, com a redemocratização do país, em 1985, a Presidência volta novamente para o comando de um civil, o mineiro Tancredo Neves, eleito pelo voto indireto do Colégio Eleitoral. Doutor Tancredo, entretanto, morreu antes de subir a rampa do Planalto. E a cadeira presidencial foi para seu vice, José Sarney, durante cinco anos.
Em março de 1989, Fernando Collor de Mello vencia a eleição direta. Tomou posse no Planalto em 15 de março de 1990. Seu vice, Itamar Franco herdou sua cadeira, após o impeachment de 1992. Não decepcionou. Novamente, em 2016, um impeachment mudava a história do Brasil. Dessa vez a presidente Dilma Rousseff saía do Palácio do Planalto e, em seu lugar, subia Michel Temer.
Portanto, por mais que se considere pilhéria a máxima de que ninguém vota em vice, eles são de extrema importância e não meramente figura decorativa. É só prestar atenção na própria história.