O Brasil é da praia do futebol; a Venezuela da praia do beisebol. Nas tardes de domingo, no país de Nicolás Maduro, os estádios se enchem de gente para ver seus ídolos batendo com o taco na bolinha.
No Brasil é o “Maraca Domingo”. Pé na bola. Como entender um menino que vai para o terreno baldio bater com taco numa bolinha, em vez de, como aqui, chutar a bola de meia? É muita diferença.
A guerra é deles
O Brasil não deveria se envolver nessa briga dos venezuelanos com os norte-americanos. Estados Unidos, Cuba e Venezuela são os países do basebol. Eles se entendem e se desentendem há dois séculos.
Os soviéticos se meteram no meio deles, há quase 60 anos, e foi um disparate. Agora são os mesmos russos a querer outra vez cutucar a onça com vara curta.
Na verdade, a Venezuela era um país de pequena importância econômica até o descobrimento do petróleo, no fim da década de 1910. Desde então, converteu-se num dos países mais ricos do mundo, com alto nível de consumo e muito dinheiro no bolso.
Era o primo rico da América do Sul. Não olhava para baixo, onde estavam seus vizinhos esfarrapados. Toda a economia e a cultura venezuelana estavam integradas com os Estados Unidos.
De Kennedy a Trump
O Brasil não deveria entrar nessa confusão. É a história se repetindo, talvez como farsa.
Entre a crise dos mísseis e esta aqui, há uma diferença bem interessante: naquele caso do passado os estadistas eram John Kennedy, Nikita Khrushchev e Fidel Castro; agora as potências em litígio botam em campo Donald Trump, Vladimir Putin e Nicolás Maduro. Não pode dar certo.
O que o Brasil tem que fazer nesta crise – pois, também, não pode se esquivar -, uma vez que ocorre nas suas fronteiras? Como dizem os mergulhadores, ficar longe da hélice do navio para não ser sugado e triturado.
Guerra à vista
O perigo real é que a crise política se converta numa guerra civil. Há possibilidades de isto ocorrer.
Cada lado da luta pelo poder, Maduro e sua oposição, tem como se suprir de recursos bélicos para um longo conflito armado. As reservas de petróleo da Venezuela, as maiores do mundo (sem contar o que ainda está por descobrir, mas que se sabem estar quase à flor da terra) irrigam e dão garantias para os fornecedores.
Basta um “levantamiento”, como se diz por lá, com participação de parte das Forças Armadas, levando para a oposição quadros de guerreiros qualificados, para o conflito se estabelecer. Armas não faltam no país vizinho, que foi grande comprador nos últimos anos.
Dá para iniciar a guerra. Os reforços vêm depois.
Porto inimigo
Esse quadro dramático não é improvável. Nessa América Latina, tão pródiga em golpes de estado, normalmente os ditadores civis são os que mais resistem à destituição.
Portanto, não é de duvidar que Maduro não aceite a proposta que lhe estão fazendo de deixar o país com seus seguidores mais fiéis, com uma anistia ali à frente. Ele vai espernear.
O Brasil deveria preparar sua fronteira para receber refugiados e fortalecer a Polícia Federal para impedir o tráfego de armas e de mercenários. Se a guerra civil se instalar e os rebeldes forem considerados “beligerantes” pela comunidade internacional, o governo provisório poderá importar armas legalmente.
Precisa apenas conquistar um porto para desembarque. Se não tiver um porto, pode querer se abastecer pelas fronteiras de nações amigas, no caso Brasil, Colômbia e Guiana.
O general Santos Cruz já viu esse filme, na África. Bolsonaro deveria ficar fora desta.
Moita e caldo de galinha
Isto é briga de branco, dizia-se no Brasil de antigamente. Trump e Putin, sócios, vão fazer uma queda de braço. Maduro se aproveita e vai se segurando.
Outro cenário: as forças políticas da oposição conseguem apoios substantivos, como de parte das Forças Armadas e de segmentos do chavismo, e passam a ameaçar efetivamente o governo bolivariano.
Maduro, neste caso, pode criar situações de constrangimento com seus vizinhos, sempre alegando interferência externa. Por enquanto, está acusando os Estados Unidos, que é o país líder do sistema a que a Venezuela está atrelada desde 1920.
Se não bastar, pode jogar a culpa nos limítrofes, que, efetivamente, estão hostilizando seu governo. Isto pode servir para unir suas forças que, aparentemente, estão em dispersão.
Neste caso, o Brasil deveria ficar na moita, pois os inimigos tradicionais, históricos da Venezuela são Colômbia e Guiana. A confusão fica por lá, no mar das Caraíbas. O Brasil nada tem a ganhar com essa briga de caribenhos.
Estratégia Mourão
O Brasil pode dar ideias aos contendores, como disse o vice-presidente Hamilton Mourão na entrevista a Roberto D’Ávila, da Globonews, no último sábado. Aliás, uma informação apimentada do presidente em exercício.
Usando como exemplo um relato dos tempos da Guerra do Paraguai, disse que Duque de Caxias, depois da Batalha de Lomas Valentinas, quando completou a derrota do Exército Paraguaio, deixou uma porta de saída para o ditador Solano López fugir dali, na esperança de que deixasse o país (na verdade López ainda resistiu por mais de um ano como guerrilheiro). Este seria o exemplo para Maduro, uma porta para uma retirada honrosa.
Entretanto, este fato era furiosamente negado por Caxias, como senador, quando a oposição do Partido Liberal lhe fazia essa acusação no plenário daquela Casa. Mas a narrativa serviu para mostrar como o Brasil é magnânimo com seus inimigos. Entretanto, muitos historiadores podem achar ruim o que disse o general Mourão.
Briga de gente grande
Se a língua é de prata, o silêncio é de ouro. Melhor esperar e ficar longe da hélice.
Se americanos e russos estão se estranhando, pode vir coisa pesada. O Brasil não tem nada a ver com a crise dos dois magnatas do Hemisfério Norte.
O que está em jogo não é mais se Maduro fica ou não fica. Com os bombardeiros russos em Caracas, tudo mudou.
Neste contexto, a Venezuela é um bode expiatório. Eles que resolvam o problema que arrumaram para eles próprios. Vamos cuidar de nosso quintal.