Gilberto Carvalho: “É um milagre termos 9% do eleitorado de São Paulo”

Ex-ministro Gilberto Carvalho

 

 

Ex-ministro dos governos de Lula e Dilma Rousseff e militante das comunidades de base da igreja católica, Gilberto Carvalho disse a Os Divergentes que é um milagre o Partido dos Trabalhadores ter 9% da preferência do eleitorado da capital paulista diante dos ataques sofridos nas duas últimas semanas.

Gilberto Carvalho também admite que o PT deverá levar uma surra nas eleições municipais deste ano nos principais centros do país, fruto dos erros cometidos.

Para Carvalho, é hora avaliar esses erros. Mas toma o cuidado de distinguir autocritica de autoflagelação: “Autocritica é você romper com teu erro. É dizer: eu não sou este erro, eu sou isso aqui, meu ideal, meu sonho, meu projeto.”

O ex-ministro também condena as medidas de ajuste fiscal de Michel Temer anunciadas com cortes de benefícios sociais, mas também criticou o ajuste de Dilma Rousseff por ter sido uma capitulação ao mesmo tipo de modelo econômico que está sendo adotado pela equipe de Henrique Meirelles. Leia abaixo a íntegra da entrevista:

 

Os Divergentes: O PT deverá sair menor do que entrou. Vai levar uma surra. Como o PT encara este resultado?

Gilberto Carvalho: Primeiro, é preciso dizer que a surra não será tão grande quanto está sendo cantada em prosa e verso, sem negar que vai haver um recuo. Penso que haverá um recuo nos grandes centros como Belo Horizonte e Rio de Janeiro, onde a candidata que apoiamos, a Jandira Feghali (PCdoB), está com dificuldade de ir para o segundo turno. Mas vamos ter desempenhos importantes em Porto Alegre, Recife, Fortaleza. Em Rio Branco, já está claro que o PT praticamente ganhou a eleição. E tem São Paulo, que apesar de tudo há uma expectativa positiva do Fernando Haddad ir ao segundo turno. Outra coisa: nas pequenas cidades, não está se verificando essa mesma tragédia nacional.

Agora, eu faço essa ressalva para de fato admitir que nós vamos recuar e que não tinha como não recuar depois dessa guerra a que estamos submetidos. Se você pensar que, só nas duas últimas semanas, foram feitas investidas pesadas no uso descarado do aparelho de estado, da Policia Federal e Ministério Público, contra nossa gente, sem falar no reiterado foco que se deu no combate a corrupção, foco praticamente único no PT. E, mais, o conjunto da mídia, a imensa maioria reiterando dia por dia as verdades, entre aspas, de que somos ladrões, de que assaltamos o estado. Não poderia ser diferente [o recuo], não há como. Eu acho que o milagre é nós estarmos ainda sobrevivendo. Termos 9% de preferência de partido do eleitorado em São Paulo. Vai ajudar inclusive o Fernando Haddad, isso. Acho que é um milagre a gente estar resistindo.

Agora, ao mesmo tempo eu devo dizer o seguinte: é também um processo de aprendizado que temos que fazer. Eu defendo que o PT aproveite esta crise como uma oportunidade para rever suas práticas. Nós fizemos muito bem ao Brasil, no governo, em geral, mas o governo não fez bem pro PT. Nós entramos em problemas graves na naturalização do método geral de fazer política e temos que ter coragem de rever isso. Autocritica não é autoflagelação. Autocritica é você romper com teu erro. É dizer: eu não sou este erro, eu sou isso aqui, meu ideal, meu sonho, meu projeto. Então acho que temos que aproveitar sem medo para fazer uma autocrítica tranquila, serena, forte, honesta e ao mesmo tempo reelaborar, a partir de uma grande processo de mobilização, o nosso projeto.

Porque não adianta só falar em Lula pra 2018: tem que ter conteúdo esse projeto nosso. Nós vencemos uma etapa onde realizamos muita coisa e temos muitas limitações. E agora, o que vamos oferecer ao povo depois desta desgraça que eles vão provocar no Brasil?

Os Divergentes: Este conteúdo não seria o projeto de desenvolvimentista de Lula, que foi abandonado agora pelo governo de Michel Temer?

Gilberto Carvalho: Essencialmente sim, até porque a pressa, a avidez com que eles estão cumprindo com os compromissos com o capital está nos assustando. E o desmonte que eles estão fazendo na economia e no nosso patrimônio nacional, mas sobretudo nas políticas sociais, é alarmante. De fato, quem pegar o Brasil depois, se Deus quiser que em 2018 a gente volte, nós vamos ter, primeiro, um trabalho imenso para buscar recompor isso. Não vamos esquecer que várias medidas que estão tomando são na Constituição: vai ser uma guerra ainda maior. Dois terços no Parlamento, só para voltar.

Além disso, nosso projeto até então revelou-se com insuficiências graves. Por exemplo: ausência da reforma política, da reforma tributária, da própria concepção de desenvolvimento. Nós temos que modernizar nossa concepção de desenvolvimento. Não pode ser essa coisa do Estado que não leva em conta a democracia mais participada e sobretudo o modelo de desenvolvimento em relação à questão do meio ambiente, das novas bandeiras que a juventude está trazendo na área cultural… a questão da política de comunicação. São questões fortíssimas.

Os Divergentes: E o desmonte das políticas sociais?

Gilberto Carvalho: Ao longo destes 12 anos, apesar dos erros, dada a decisão política do governo do PT de cuidar dos pobres, que foi um sonho da nossa geração, foram criadas inúmeras iniciativas eu foram se casando e criando uma rede forte de sustentação e proteção aos pobres. Eu penso muito no Nordeste, o que eles [governo de Michel Temer] estão fazendo sem se dar conta, vão furar esta rede de proteção social. Quando falam em desvincular o aumento dos benefícios e das aposentadorias dos velhinhos e deficientes, eles não tem noção do que é isso. O fim da fome no Nordeste não se deu por milagre. É resultado desta teia de proteção social. Pode escrever aí: dentro de dois a três anos dessa desgraça, vai voltar a fome e a morte das crianças no Nordeste.

Os Divergentes: Como fazer isso? O governo Dilma Rousseff deixou a economia no chão. A receita agora é um ajuste fiscal.  O que o PT faria com este ajuste fiscal que está aí?

Gilberto Carvalho: Essa pergunta é incômoda e difícil de responder, mas fundamental.

Em primeiro lugar, dizer não à PEC 241 [do teto de gastos]. Evidente. Ela faz parte deste crime contra os pobres. A PEC vai cortar aonde? Não vai cortar juros de dívida, vai cortar entre os pobres. No tempo do Lula, pobre passou a ser investimento. Agora voltou a ser despesa a ser cortada.

Este ajuste fiscal… Eu digo que não faremos 241 e a medidas que eles estão tomando, mas também nem concordamos com o ajuste que a Dilma propôs. Porque foi uma capitulação do nosso governo, do governo da Dilma, não posso negar isso, a esse mesmo tipo de modelo. Nos teríamos sim que fazer um ajuste, dadas as condições da economia internacional e as baixas commodities, mas teríamos que distribuir a carga deste ajuste de maneira igualitária, ou, melhor, com foco nos que mais tem recursos na sociedade. Teríamos que ter coragem de fazer um ajuste que iria provocar uma crise política, mas era necessário. É o que temos que fazer quando voltarmos ao governo. Não tenho receio de dizer que o ajuste da Dilma não servia para a gente.

Os Divergentes: O que serviria? Seria aumento de impostos?

Gilberto Carvalho: Não, não só aumento de impostos. Mas você poderia pensar impostos sobre grandes fortunas. Em fazer uma reforma tributaria que mude a lógica, que não necessariamente aumente os impostos, mas que faça uma melhor distribuição dos impostos. Acabar com esta perversidade de quem mais paga tributos é quem mais produz e quem ganha menos.

Os Divergentes: Então Lula viria com uma nova proposta desenvolvimentista do país?

Gilberto Carvalho: Não tenho dúvidas disso. Se Lula voltar em 2018, vai pegar um país em uma condição completamente diferente da atual. Se aprovarem as medidas de emenda constitucional, o pais vai estar em uma situação muito pior. A primeira tarefa, então, será restabelecer as condições que tínhamos até 2012. Junto com isso ele tem que fazer um processo de ampla discussão com a sociedade, discutir muito. Temos 2 anos para isso. Uma discussão com economistas e atores sociais para construir um novo projeto, como foi o de 2002, que deu resultado em 2003. Vai ser muito mais difícil, mas tem saída. E o Lula está muito disposto a fazer isso.

Os Divergentes: Foi o que aconteceu na época em que a economia esteve sob o comando de Palloci e Henrique Meirelles…

Gilberto Carvalho: Sim, lembrando que Palloci e Meirelles tinham um contraponto fundamental na figura de Lula. O Lula não seguiu os conselhos do Meirelles e Palloci cegamente. Eu fui testemunha de muitas controvérsias e muitas mudanças de posição que o Lula tomava.

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