A adesão ao governo do presidente eleito Jair Bolsonaro pode representar o fim da crise de identidade do PSDB. O rompimento que expurgaria parte da legenda seria uma das primeiras e importantes movimentações partidárias provocadas pela ascensão da chamada direita ao Poder Central no Brasil.
Diferente da indefectível postura oposicionista do PT diante de presidentes da República, o PSDB quase sempre oscila entre o apoio explícito, a adesão envergonhada e a oposição contida. Nada mais tucano.
Guerra à vista
Desta vez, porém, as movimentações parecem se inclinar para o enfrentamento. Afora o flerte com o bolsonarismo por parte de parlamentares eleitos, há três governadores (MS, RS & SP) que anunciaram apoio ao novo establishment.
Há, no voluntarismo do trio, um componente de pragmatismo. Chefes de Executivo, dependentes do Erário Federal, não podem fazer oposição sistemática ao presidente da República, sob pena de verem minguar as benesses federais.
Vide Teotônio Vilela Filho, cujo mandato como governador de Alagoas (2007-2014) coincidiu com a Era Lula. O tucano deixava claro que, como mandatário estadual, não poderia se dar ao luxo de fazer oposição sistemática ao Governo Federal. Foi recompensado pelo igualmente pragmático presidente Lula.
“O PSDB não pode ter o receio de fazer inflexões a pautas mais conservadoras”, pregou recentemente o deputado tucano Bruno Araújo (PE). Ao jornalista Pedro Venceslau, do Estadão, ele citou a redução da maioridade penal e a flexibilização da posse de armas como exemplos de guinadas à direita.
À frente dos dissidentes, o governador eleito de São Paulo partiu para o ataque à velha guarda. “O PSDB agora vai ter lado e não ficará mais em cima do muro”, defendeu o arrivista João Doria.
O lado, no caso, é o do “nosso presidente”, como Doria chama Bolsonaro. O embate final será em maio, quando o partido se encontrará numa convenção nacional.
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O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um dos principais teóricos da sigla, já fez sua opção. “Se o PSDB virar uma sublegenda do governo, qualquer governo, estou fora”, disse FHC à Veja.
Cooptação eterna
Não dá pra antecipar se o PSDB vai acomodar suas dissidências ou implodir de vez. Porém, o prejuízo ao insipiente quadro partidário nativo aparece no horizonte turvo da política brasiliana.
Democracias estáveis costumam conviver com poucos e longevos partidos. Vide Alemanha, Inglaterra, EUA e Israel.
Ao impingir o bipartidarismo, a ditadura militar (1964-1985) embaralhou o quadro partidário nacional. Ou se era favor, ou contra o regime autoritário.
A volta do pluripartidarismo permitiu que se reacomodassem tendências políticas naturais. A frágil racionalidade partidária, porém, durou pouco.
FHC inaugurou o presidencialismo de coalisão, que, aos poucos, transfigurou-se em presidencialismo de cooptação. Interessava mais o apoio do que a afinidade programática.
Sucessor dos tucanos, o PT não fugiu à regra das chamadas esquerdas na busca do poder eterno. Levou, então, ao paroxismo o presidencialismo de cooptação.
Não interessava ao petismo o pensamento dos parlamentares, mas quanto valia seu voto. O Mensalão e a Lava-Jato demonstraram fartamente a compra de apoio.
Destruiu-se, assim, qualquer possibilidade de fixarem-se novos partidos orgânicos. O milionário fundo partidário, a miríade de cargos disponíveis aos apaniguados nas casas legislativas país adentro e as vagas de livre provimento nos executivos país afora forjaram a barafunda de legendas sem identidade ideológica.
O bilionário financiamento público de campanhas eleitorais reforçou a existência de partidos apenas como negócio. Antes de espaços de poder, a maioria deles virou máquina de angariar recursos.
Sem regalo, nem sinecura
Neste quadro perturbador, pois trata-se da essência do poder democrático, salvam-se alguns nanicos, geralmente da chamada esquerda. Até aqui, por mais que feneçam no desvão comum do toma-lá-dá-cá, PT e PSDB ocupavam a vaga de partidos programáticos.
Ao assumirem o poder, era possível antever a direção da biruta ideológica. Primeiro, porque, na campanha eleitoral, deixavam explícitas suas inclinações. Segundo, porque seus governos servem de modelo a todo eleitor.
Caso prevaleçam os neotucanos, o PSDB perderá sua identidade original. O que provavelmente ampliará a bolsa de mercadorias partidárias.
Por mais que o eleitor tenha buscado nomes em vez de siglas nas eleições de 2018, a estabilidade e o enxugamento partidários, ao contrário de salvadores da pátria, é passo muito mais consistente à estabilidade democrática. Neste contexto, a criação de partidos, afora algumas regras mínimas, precisa ser livre.
Mas o acesso a regalos e sinecuras, proibido. Para tanto, é preciso mudanças legais que cortem este duto irrigador da corrupção.
A cláusula de barreira ao funcionamento partidário, aprovada em 2017, embora tímida, foi um bom começo. Extinguir o financiamento partidário e eleitoral público são os passos seguintes.
A faxina iniciada com a Lava-Jato e, depois, pelos eleitores no pleito deste ano foram avanços promissores, mas ainda insuficientes. Com os fartos atrativos pecuniários hoje existentes na formação partidária, o combate à corrupção continuará tarefa muito difícil.