Vistas deste longínquo e pandêmico março de 2021, as eleições presidenciais de outubro de 2022 parecem indicar uma polarização radical. Nada de novo para este país que rejeita moderados.
A decisão do juiz Edson Fachin, do STF, liberou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para desafiar o atual mandatário, Jair Bolsonaro. Como não temos uma corte constitucional, mas um agrupamento de togados a compor um tribunal político e voluntarioso, nada é previsível na esfera jurisdicional do Brasil.
Enfim, tomando como pressuposto que a decisão de Fachin será referendada pelos colegas, o Brasil terá dois candidatos fortes e representativos. Cada uma partirá com cerca de 30% do eleitorado. 40% de eleitores deverão se dividir entre outros postulantes.
Quem quiser desbancar Lula ou Bolsonaro para disputar com um deles o pleito no segundo turno de 2022 precisará rebolar, pois brasilianos preferem extremistas. Com o meio do campo presumivelmente congestionado, para avançar, o desafiante da dupla precisará captar votos das franjas dos dois extremos.
Bolsonaro, agora mascarado, piscou. Se acredita que derrotar Lula será tarefa difícil, acerta. Se, porém, vê o adversário que veste vermelho como o candidato ideal para ser batido, equivoca-se.
Lodaçal econômico e sanitário
O hodierno presidente, além do antipetismo, parte com a vantagem indiscutível de presidir o País e possuir a chave do cofre da União. O caminho natural é a reeleição, não a vitória do desafiante. Se mantiver os atuais índices de aprovação atrairá por gravidade parte do establishment político, que, por segurança e alguma afinidade, quererá reconduzi-lo ao trono do Palácio do Planalto.
Contra ele pesam sua agenda cultural e de costumes, a qual o capitão-mor prioriza, mas que não lhe amplia o cabedal de votos. O que garante uma reeleição é renda, emprego e inflação controlada. No cenário incomum que vivenciamos, há um elemento anterior a esta tríade: vida, hoje sinônimo de vacina.
Bolsonaro reage equivocadamente à crise sanitária da covid-19 – não interessa se por ignorância ou crendice. E, como seus principais assessores econômicos alertaram, enquanto o coronavírus campear solto pelas plagas brasilianas a economia não sai do atoleiro. Atoleiro profundo, pois já estava encharcado antes da tragédia provocada pelo vírus.
No limite das crenças
Lula, por seu turno, tem, além do antibolsonarismo, o conforto de ser oposição a um governo de baixa popularidade. Carestia, desemprego & reduzido poder aquisitivo minam uma candidatura situacionista. Antes deste cardápio básico, porém, Bolsonaro tem que derrotar o vírus mortal.
O revés do adversário, no entanto, é ingrediente eleitoral sobre o qual Lula não tem controle. Qual a vantagem dele, então?
Ninguém tem tanta experiência em eleições presidenciais no Brasil como Lula. Perdeu três e venceu duas. Ele sabe o que deve e o que não deve fazer.
Ao contrário de Bolsonaro, que apela sem pudor ao personalismo populista e não se esmera em angariar apoios variegados, Lula busca apoios no limite de suas crenças. E talvez aqui resida uma de suas principais vantagens eleitorais.
Daqui em diante, ressalvado o humor dos juízes da Suprema Corte, o companheiro-mor do PT conversará com todas as frentes que podem apoiá-lo. Primeiro, manterá sua tropa unida, o quinhão de 30% de eleitores que seguem o líder.
Em seguida, flertará com o centro e a chamada centro-direita. Mesmo a direita antibolsonarista, diante da iminência de mais quatro anos do capitão-mor, pode aceitar engolir, no segundo turno, o líder petista. “Ainda há tempo – mas não muito. É difícil imaginar o que seriam mais quatro anos do mesmo, a partir de 2023”, escreveu o sóbrio Pedro Malan, da época que o Brasil tinha ministros da Fazenda.
Os que com ele conviveram na intimidade sabem o poder de sedução de Lula no tête-à-tête. Seus oito anos de mandato presidencial representaram calmaria para o empresariado e o sistema financeiro – além da agenda social robusta. “Não tenham medo de mim”, pediu Lula, antecipando sua estratégia.
Claro, precisará convencer os interlocutores que a companheira Dilma Rousseff foi um acidente, pois não seguiu suas orientações. Terá que falar de Mensalão e Lava-Jato. O discurso de que nada houve, feito para as multidões de sequazes, não funciona entre quatro paredes – pois, afora os que se autoenganam, todos sabem que a corrupção nos governos petistas foi recorde, como já atestou a Justiça em diversas instâncias. E, até agora, não a negou.
Depois das UTIs que asfixiam
Quem acompanha Os Divergentes leu aqui que “Lula não é incendiário”. Tanto por personalidade, quanto por cálculo político. Pecha, aliás, que cabe perfeitamente em seu eventual opositor, o capitão-mor. Bolsonaro é como soldado na guerra, move-se pelo caos e pelo ódio.
Ambiente belicoso não interessa a Lula. Ao longo de sua extensa trajetória política, soube se adaptar, corrigir rumos, buscar novos caminhos.
Esta polarização, com extremo potencial bélico, é o que se antevê enquanto corpos sufocam as UTIs Brasil adentro. Cenário futuro que dependerá do humor político dos supremos sufetas, da recuperação econômica e da aparição do moderado desconhecido.