Parte das teorias disseminadas pela internet e nos principais veículos de comunicação tendem a tratar os caminhoneiros, que praticamente paralisaram o País por uma semana, como idiotas. De acordo com estas análises, eles não teriam capacidade de articulação e, portanto, estariam sendo manipulados por forças ocultas.
Trata-se do hábito de politizar a origem de tudo. Por ele, nada pode ter origem despolitizada. Confunde-se causa com consequência.
Se os caminhoneiros pararam é porque foram manipulados por patrões, é uma das conclusões. Depreende-se, deste raciocínio, que a maioria deles têm carteira assinada e férias remuneradas.
A redução dos custos dos fretes interessa a ambos, donos de transportadoras e caminhoneiros autônomos. Cada vez que o acuado Governo Temer cedia, aqueles dois ganhavam.
WhatsApp militante
Levantamento do Estadão de 28 de maio aponta que, de 1,088 milhão de caminhões de empresas transportadoras, apenas 29,2 mil (2,7% deste contingente) estão nas mãos de 10 companhias. O restante, a grande maioria, é composto por pequenas empresas com até 5 funcionários.
O Estadão contabiliza ainda que 554 mil, de 1,66 milhão de caminhões da frota nacional, são veículos autônomos. As fontes do matutino são a CNT e ANTT.
“Trata-se do hábito de politizar a origem de tudo.
Por ele, nada pode ter origem despolitizada”.
A situação financeira dos profissionais da boleia, a demonstrarem vídeos que circulam pela internet, era de calamidade. Depois de pagarem todas as despesas não sobra o lucro, motivação que leva motoristas a se aventurar nas rodovias brasilianas.
A jornalista Josette Goulart acompanhou as conversas de caminhoneiros em grupos de WhatsApp. “Desde quando autônomo tem sindicato”, protestou um deles, numa pergunta retórica.
“Acabou coisa nenhuma [sobre a greve]. Esse sindicato não vale nada”, escreveu outro. Referia-se ao acordo no Palácio do Planalto na noite de quinta, 24, que mirava o fim à greve, entre os prepostos de Temer e sindicalistas engravatados.
Após o efeito estrondoso da paralisação, acompanhada de ações de guerrilha, como a de impedir que caminhões carregando combustíveis deixassem as refinarias, políticos de matizes diversos se aproveitaram. Esquerda e direita fustigaram o moribundo Governo Temer atrás da simpatia da categoria.
Jair Bolsonaro, porém, parece ter a preferência da turba supostamente ignara. O capitão candidato à presidência da República, desprezando sua própria posição anterior, não desperdiçou a deixa e também aproveitou para se alinhar aos grevistas.
Claro, à turma de oportunistas se juntaram aqueles que pregam a intervenção militar como panaceia aos dramas que se acumulam desde que a ex-presidente Dilma Rousseff achou que entendia de economia. Neste caso, porém, há, de acordo com faixas vistas nos bloqueios País adentro, simpatias do movimento caminhoneiro. Em que proporção, não se sabe.
A culpa é da Globo
Falta aparecer quem jogue a culpa na Rede Globo, alvo principal da esquerda e da direita militantes. Mais uma teoria que reforça a lógica do paternalismo, segundo a qual as pessoas nunca são responsáveis por seus atos. O que as torna incapazes e, assim, precisam ser tuteladas.
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O que também serve de deixa para quem quer politizar pleitos diversos. As motivações mais óbvias são sempre descartadas a priori para, simultaneamente, dar lugar a teorias de conspiração.
Houve uso político da paralisação? Por supuesto que sí.
Isto não muda a motivação econômica e social da greve. Os caminhoneiros pararam porque trabalhavam sem lucrar.
O governo, incapaz de perceber os alertas da categoria, precipitou o desfecho catastrófico que se irradia até hoje. Um presidente mais antenado com as ruas, como o de Lula, provavelmente teria evitado o levante caminhoneiro e os prejuízos bilionários. Mas isto também é teoria.