Sou do tempo em que as redações de jornais eram embaladas pela sinfonia dos teclados das máquinas de escrever. Lá pelas 6h da tarde, 7h da noite, virava um desafio distinguir de onde vinha alguma batida.
Inúmeras Remington e Olivetti, as mais comuns, ou Haldas suecas, mais raras, como a que, restaurada, adorna minha sala, zuniam como pipocas arremessadas na tampa de uma panela. As batidas secas eram produzidas pelo arremesso violento da haste de metal, com um caractere esculpido na ponta, sobre um rolo cilíndrico escuro.
Final de tarde, começo da noite era quando a maioria das matérias eram escritas. Premidos por um frenesi nervoso, tínhamos um tempo restrito para descrever nossas apurações dentro dum espaço pré-determinado pelo diagramador.
Se o som das teclas era menos perceptível, pois se confundia numa algaravia de letras indistintas, havia um som que podia distinguir o datilógrafo. O sino indicava que o escrevinhador chegara ao fim da lauda e era o momento de virar o rolo com a alavanca lateral à esquerda. Era indispensável àqueles que datilografavam olhando para o teclado e não para a lauda no rolo.
Quanto mais sinos badalavam, mais rápido estava o periodista a batucar as teclas de baquelite. A sineta, embutida nas máquinas de escrever, indicava, assim, a agilidade de cada datilógrafo.
Rapidez era – e é – atributo indispensável ao bom repórter. Outrora, porque havia um tempo para que a matéria descesse à gráfica, fosse impressa & distribuída cedo para leitura matinal em residências e escritórios. A correria era exercitada sobretudo no final da tarde e começo da noite.
Habilidade mental ou manual?
Hoje, a qualquer momento o repórter precisa testar sua agilidade, pois o deadline desapareceu. É preciso estar sempre atento e lépido.
Naqueles momentos, quando eventualmente conseguia entregar minhas reportagens antes dos demais, ficava a observar o copidesque das laudas que se acumulavam sobre a mesa do editor. Interessava-me identificar qual repórter era capaz de escrever um texto limpo de correções.
Estas eram feitas com Xs sobrescritos sobre as letras ou palavras equivocadas ou, posteriormente, à caneta, diretamente na lauda. Minha admiração recaía sobre as laudas limpas.
No meu entendimento, laudas sem correções indicavam mais do que habilidade manual. Eram, as laudas, indicativas do pensamento escorreito, retilíneo, objetivo, peremptório.
A capacidade de escrever sem erros caracterizava a relação perfeita entre o pensamento subjetivo que se configurava nos neurônios do periodista e suas mãos, instrumentos finais da engenharia humana. O datilógrafo perfeito não errava porque seu pensamento era preciso e seguro, à prova de equívocos.
Erros sob controle
Tempos modernos que foram substituídos por tempos hodiernos. O advento dos computadores, além do silêncio que sobreveio com os teclados de hoje quando comparados com os das máquinas de escrever, trouxe o erro como método.
A lauda sem erros era vista como uma característica que distinguia o jornalista. Não que bons escritores não errem.
Gabriel García Márquez dizia que tantas vezes revisasse um texto tantas vezes o reescreveria. Érico Veríssimo datilografava sobre uma folha de papel almaço. Para as correções inevitáveis deixava duas linhas em branco entre cada uma datilografada.
Nas redações de antanho, porém, devido à premência do tempo, a cobrança do fechador, a inescapável lentidão das gráficas & a logística para distribuir os jornais impressos, a lauda sem erros era atributo comemorado. Além de exibir superioridade de raciocínio, o jornalista facilitava todo o trabalho de produção do jornal antes que o matutino chegasse às mesas matinais dos leitores.
Bem, hoje podemos errar incontáveis vezes os textos nossos de cada dia. Apagar, corrigir, reescrever tornou-se hábito corriqueiro e (quase) à prova de xeretas.
Mas um dos grandes avanços que sobrevieram do tempo das teclas de baquelite para o dos teclados modernos veio com uma invenção intangível. O CRTL C e o CTRL V.
Atualmente, são atalhos considerados comezinhos, banais. Diante da parafernália de aplicativos ofertada pelos smartphones, os dois recursos (há, ainda, o CRTL X) parecem remontar aos primórdios da informática – o que é verdade.
Quem escreve por ofício, porém, sabe que nossas vidas não seriam as mesmas sem estes comandos proverbiais. Imagine, leitor, teclar sem dispor da facilidade de cortar, copiar e colar.
Os três comandos permitem ações rápidas, como copiar citações sem receio de se equivocar. Facilitam a reprodução de grafias complicadas,
como a do candidato à presidência dos EUA, Pete Buttigieg, ou a líder da CDU alemã, Annegret Kramp-Karrenbauer.
Com eles, é possível visualizar e testar o deslocamento de parágrafos ao longo do texto. Se não funcionar, basta valer-se de outro atalho, o CRTL Z.
Para perceber a relevância destes atalhos basta tentar escrever um texto qualquer sem utilizá-los. Tarefa difícil e inútil, pois eles estão aí para serem usados. Inclusive para fraudes e plágios.
Não o conheço, mas obrigado
O que hoje parece trivial, um dia teve que ser inventado. Sem a criatividade de algum herói anônimo não disporíamos desta facilidade.
Pois o herói anônimo, que facilitou a vida de bilhões de usuários de computadores ao redor do mundo, morreu semana passada. Trata-se de Lawrence Tesler, um pioneiro conhecido no mundo dos nerds, mas anônimo justamente entre seus beneficiários.
Ao ler sobre o passamento do herói anônimo, calculei como ele deve ter se deleitado observando usuários de computadores valendo-se de sua singela invenção. Poderia fazê-lo anonimamente ou de maneira esnobe.
“Você usa muito o CRTL C, CRTL V”, perguntaria a um digitador qualquer. “Não vivo sem eles”, responderia o usuário. “Pois fui eu quem inventou isto”, retrucaria Tesler, superior.
Enfim, agradeço a este herói anônimo a facilidade que trouxe à vida deste escrevinhador. O número de obrigados é igual ao número de vezes que utilizei seus comandos. Ou seja, devo a Lawrence Tesler milhares de obrigados.