O presidente Jair Bolsonaro não entende de economia. Então candidato, em 2018, confessou a lacuna ao nomear Paulo Guedes seu superministro. Sabe-se hoje que nenhum dos dois entende de economia.
- LEIA TAMBÉM: O maniqueísmo ideológico dos inimigos da Lava-Jato
Saúde pública também é assunto que foge ao escopo que deveria nortear o chefe de Estado, a quem compete ter conhecimento mínimo de áreas básicas. O que se vê é um mandatário apregoando teorias escalafobéticas sobre a covid-19, afora o desprezo pela vacina e por medidas preventivas que teriam reduzido a tragédia monumental que já matou mais de 400.000 brasilianos – marca indelével que carimbará seu nome nos livros de história.
Por elementar suposição, Bolsonaro, deputado federal por 28 anos, deveria entender de política. Ao contrário, revela-se inábil quase o tempo todo. Às vezes, por basal instinto de sobrevivência, recorre a velhas artimanhas, como quando amancebou-se com o Centrão no intuito de garantir aliados (de ocasião) nas presidências do Congresso Nacional. Reprisou o que PT fizera em seu reinado de 14 anos.
Couro grosso
Na CPI da Covid, ainda engatinhando, a maioria dos escudeiros bolsonaristas replica o método belicista dos Bolsonaros de resolver inconformidades. Caso da deputada federal Carla Zambelli (SP), que saudou o boneco “Canalheiros” em frente à residência de Renan Calheiros (AL), em Maceió. Se ela acredita nesta intimidação candidata-se a conhecer a democracia russa.
O bolsonarismo acerta ao ligar a luz de alerta em relação a Renan Calheiros, relator da comissão de inquérito. O alagoano, ora oposicionista, está entre os políticos mais resilientes do Brasil. Poucos nativos aguentariam a saraivada midiática, política e judicial como a que ele enfrentou em 2007. Além disso, sua vida pessoal foi escrutinada e exposta. Na política, diz-se que ele tem couro grosso. Sem esta couraça, dificilmente um político alça voos de condor.
O senador, porém, tem outra característica. Gosta do poder indistintamente dos matizes ideológicos. O traço demonstra flexibilidade diante do largo diapasão da política brasileira. Ele sabe, por exemplo, que em política há momentos de compor, de recuar & de confrontar.
Já Bolsonaro, um “mau militar” nas palavras do presidente Ernesto Geisel, o penúltimo ditador do regime instalado em 1º de abril de 1964, opta preferencialmente pela escaramuça. Provavelmente sua indisfarçada inclinação autoritária o conduz à guerra permanente, pois não admite ser retorquido – burrice, pois gestores inteligentes aprendem ouvindo os contrários.
O estilo do presidente, que desde sempre havia infectado as esconsas hostes bolsonaristas na internet, parece ter contagiado também parte de sua base senatorial. No Parlamento, seus aliados partiram para o confronto com o relator da CPI da Covid. Batalha perdida de antemão é batalha inútil. Marcar posição é tática de zagueiros no futebol.
No afã de impedir Renan Calheiros de se tornar relator, os senadores Jorginho Mello (SC), Marcos Rogério (RO) e Eduardo Girão (CE) atiçaram ainda mais o ímpeto do relator, adormecido desde que perdeu a eleição à Presidência do Senado para Davi Alcolumbre (AP), em 2019.
O profissional
Ao insuflar seus sequazes a bombardear os adversários da CPI nas redes antissociais, os Bolsonaros provocam ressentimentos desnecessários. Amador, o senador Flávio Bolsonaro (RJ) partiu para cima de um aliado, Rodrigo Pacheco (MG), que comandará o Senado pelo menos até janeiro de 2023. Diz temer aglomerações no Senado quando o pai desmascarado é grande incentivador dos ajuntamentos Brasil adentro. Em vez de esquecer, os bolsonaristas querem enaltecer a cloroquina.
Em meio à truculência, há profissionais. O senador Ciro Nogueira (PI), ora situacionista, também integrante da CPI da Covid, mostrou descortino ao votar no senador Omar Aziz (AM) para presidente da comissão de inquérito. Integrante de um bloco minoritário – 4 senadores em 11 -, seu voto não mudaria a eleição combinada de antanho. Descortinando o voto secreto, Ciro Nogueira transformou o voto inútil em Eduardo Girão, que angariou 2 apoios além do próprio, em voto útil para futuros arranjos.
O relatório final da CPI da Covid, que será assinado por Renan Calheiros e aprovado pela maioria da comissão, será desfavorável ao Governo Bolsonaro. O que não se sabe é o tamanho do estrago. Até o desfecho, porém, acordos são possíveis. Profissionais não desperdiçam munição na véspera.
Além de manter uma porta aberta com o comando da CPI, Ciro Nogueira não fecha espaço para futuras alianças na eventualidade, nada desprezível, de naufrágio bolsonarista. Com um pé dentro e outro fora do barco governista, corre menos risco de afundar com a ainda poderosa nau palaciana.
Sem traquejo, nem molejo
As evidências e provas de que o presidente da República contribuiu decisivamente para o agravamento de uma das maiores crises sanitárias de todos os tempos são fartas. Se desfrutasse de traquejo político, Bolsonaros e seus sequazes tentariam reduzir os danos inevitáveis em vez de provocar embates desnecessários – pelo menos neste início, já que a CPI pode se estender por 180 dias. Ajudaria muito se parasse de cuspir sandices e vacinasse todos os brasileiros.
A inépcia, porém, é a regra. Caso dos requerimentos à CPI fornidos pela cozinha do Palácio do Planalto. Não o gesto em si, que nada tem de inédito, mas a origem dos redatores. Generais, que coalham a Presidência da República, sabem mandar e obedecer. Falta-lhes traquejo político. Ao se deixar guiar pela ordem unida do Planalto militarizado, a tropa governista na CPI pode transformar o palco de hoje no cadafalso de amanhã.
Política, ao contrário do que o bolsonarismo e o lavajatismo quiseram fazer crer aos crédulos, deve ser conduzida por profissionais. Feita de muita conversa, acordos, conchavos, avanços, recuos e despistes, política é coisa séria demais para ficar nas mãos de amadores. Assim como democracia, verbetes inexistentes no léxico bolsonarista.