Os tempos hodiernos são de intensa polarização. Em si, nenhum problema.
Nos pampas, o clássico greNal divide os gaúchos em dois lados opostos. Tirante alguns celerados, a maior parte convive em provocadora harmonia.
A polarização torna-se deletéria quando há um líder, não uma entidade, a quem os sequazes creem cegamente. No Brasil de 20-20, há Bolsonaro & Lula.
Lideranças políticas existem desde tempos imemoriais. Quando devotadas ao bem comum e à implantação de suas crenças & ideologias expostas com clareza podem conduzir uma nação à virtude – ou desviá-la do abismo em períodos de conflito.
Com o fim da Guerra Fria, os conceitos de esquerda e direita perderam parte relevante de seus significados. Permanecem sendo usados porque (1) a distinção convém aos políticos, (2) a academia persiste usando esta dicotomia & (3) a mídia os reproduz de forma inercial.
Assim, Lula representa a chamada esquerda. Bolsonaro reflete a chamada direita.
Em alguns países – Espanha, França, Itália – a bipolarização parece ceder espaço à multipolarização; ou fragmentação partidária. São as dores do parto de um novo tempo político que ainda não se definiu.
As seitas que nos conduzem
Em terras brasilianas, os conceitos também se multiplicam. Mas, talvez por um atavismo histórico somado à força de dois líderes que representam tendências não hegemônicas, mas relevantes, deparamo-nos com uma divisão política em duas seitas.
Como é escassa a honestidade no debate político, formam-se dois grupos intolerantes.
Se sou lulista, necessariamente tudo que vem do bolsonarismo está equivocado. Se bolsonarista, qualquer pregação lulista está eivada de erro.
A radicalização de parte a parte impede análises com alguma isenção, necessária à convivência política civilizada.
Bolsonaro mostra-se equivocado na gestão das políticas externa e ambiental. No entanto, pode estar conduzindo o País à modernização econômica, com a adoção da estabilidade econômica e a redução do estado gigamenso – tarefa em construção.
Lula persiste a defender um sistema de estado demasiadamente intervencionista e a adotar alinhamentos internacionais com regimes autoritários. Por outro lado, suas prioridades ambiental e social representaram um avanço no conteúdo.
Cada um deles, grosso modo, detém cerca de um terço das simpatias dos brasilianos. Assim, mais da metade do Brasil adota, em maior ou menor grau de submissão, as ideias de seu líder.
Pode ser apenas por contrariedade com o outro lado. Não importa, o efeito é o mesmo.
A seita lava-jatista
Outra tribo, aparentemente maior, é a de sequazes do ex-juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça. Sua popularidade é maior do que a de Lula e Bolsonaro, consideradas isoladamente.
Sergio Moro foi o protagonista da maior operação de combate à corrupção no País, onde, pela primeira vez na história, ricos, brancos e poderosos foram encarcerados. Isto não significa que ele seja a garantia do direito no Brasil.
Também batizados de lava-jatistas, esta grei segue o mestre onde o mestre mandar. É o caso da criação do juiz de garantias, ao qual o ministro se opõe.
A adoção desta nova instância do Judiciário atrasaria os processos e, com isto, permitiria a larápios mil escafederem-se das garras nada cegas da justiça, sustentam os morosistas. Não haveria estrutura para montar um novo sistema de controle no Judiciário, o poder da República mais fechado, mais elitizado e mais inacessível entre os 4 existentes. São eles: Executivo, Legislativo, Judiciário e Ministério Público (este não constitucional, mas tão poderoso quanto).
Ora, nossos juízes estão entre os mais bem pagos do mundo. A Justiça daqui consome valores inigualáveis comparados aos de outras democracias.
A Justiça mais cara do mundo
Para tanto, vale a pena reler o recente artigo de Thales Coelho para Os Divergentes.
Primeiro, Thales demonstra que não estamos inventando a roda. Portugal, Itália, o estado de São Paulo e EUA (este, modelo para os lava-jatistas) adotam sistema semelhante.
Trata-se de uma garantia da separação das fases de investigação e do julgamento. O juiz que definirá a sentença estará livre para condenar equívocos ou excessos de seu antecessor, pois não estará se autocensurando – algo difícil à natureza humana, sobretudo para magistrados que não prestam contas a ninguém.
Quanto à exiguidade orçamentária, Thales traz levantamento que aponta o fausto em que vivem nossos juízes, completamente descolados da penúria que assola parte expressiva dos brasileiros.
O erário do Brasil consome 2% do PIB com o Judiciário. A média da OCDE é de 0,5%. Já na União Europeia nenhum país dispende mais do que 0,7%. Na Alemanha, 0,3%.
“Do montante destinado entre nós ao Poder Judiciário, 90% são destinados a pagamento de pessoal. Na Europa, 70%”. Ou seja, gastamos muito mais porque bancamos salários (sem falar em prédios luxuosos e uma infinidade de mordomias) incrivelmente mais altos do que recebe a maioria dos brasileiros. É a Justiça brasileira promovendo desigualdade de renda – uma gritante injustiça.
Os salários dos juízes brasilianos (bem como os dos procuradores), comparados à imensa maioria dos brasileiros, caracterizam perversa iniquidade. Se o teto de R$ 39.200 já representa uma aberração, quanto mais a realidade salarial, já que a maior parte dos juízes recebe muito acima do que deveria ser o valor máximo.
Na Alemanha, país menos desigual que o Brasil, o vencimento de final de carreira de um magistrado é de R$ 32.000. Sobre o qual recai uma alíquota de 45% de imposto de renda. Ou seja, “se ativéssemo-nos [no Brasil], efetivamente, à remuneração máxima ‘permitida’, isso já daria para pôr em funcionamento muitos juizados de garantia país afora”.
Trabalhar mais ajudaria
Quanto à falta de tempo, que tal se a produtividade dos magistrados aumentasse? Para começar, oportuno seria reduzir os dois meses de férias e as incontáveis folgas e feriados exclusivos que somente muito bem remunerados juízes e procuradores têm acesso. Ou seja, ganham muito mais e trabalham muito menos do que os trabalhadores.
Falta autocrítica e bom senso aos membros do Judiciário brasiliano. Pode haver outros obstáculos à implantação do juiz de garantias. Mas não os de falta de tempo ou de recursos.