Duas pesquisas recentes de intenção de voto à Presidência da República reforçam um cenário relativamente consolidado para a sucessão presidencial de 2022. “Relativamente” porque o Brasil e o mundo democrático (Venezuela e Hungria não contam) vêm mostrando surpresas eleitorais que jogam as probabilidades para o plano do improvável.
Resumidas, as pesquisas XP/Ipespe, captada entre 4 e 7 de maio, e Datafolha, 11 e 12 de maio, indicam que hoje há apenas dois contendores no páreo com chances de vitória. Em maio de 2021, as suscetibilidades dos cidadãos posicionam o atual presidente da República, Jair Bolsonaro, e seu mais poderoso antecessor, Luiz Inácio Lula da Silva, praticamente sozinhos na pista da corrida eleitoral.
Como se cada um pilotasse seu próprio carro de Fórmula 1 e com os tanques cheios de combustível, diante de adversários na boleia de velhos automóveis fabricados nos primórdios da linha de montagem. As diferenças nos levantamentos se devem, provavelmente, ao tamanho da amostragem e o tipo de abordagem – 1.000 entrevistas por telefone (XP/Ipespe), 2.071 entrevistas presenciais (Datafolha).
Sozinhos no grid de largada
Três constatações principais.
Bolsonaro e Lula são, hoje, os únicos candidatos relevantes.
Lula e Bolsonaro largam com um caminhão de votos, que lhes garante uma excelente propulsão na largada da corrida sucessória.
Não há, até o momento, nenhum postulante ao Palácio do Planalto que ameace a supremacia da dupla antagonista. Sem uma terceira via viável, ambos deverão se enfrentar numa revanche no 2º turno em novembro de 2022.
Como sói acontecer, o destaque nas análises recaiu sobre a vantagem de Lula exposta pelo Datafolha – 18 p.p. no 1º turno, 23 p.p. no 2º turno. Mas, a um ano do pleito, mais relevante é observar as manifestações espontâneas.
No Datafolha, a vantagem de Lula (21%) sobre Bolsonaro (17%) é 4 de p.p. Na espontânea da XP/Ipespe, é Bolsonaro (25%) quem aparece com 4 p.p. à frente de Lula (21%).
O outro dado relevante nestas mesmas amostragens é a composição de nulos, brancos e abstenções (30,87% do eleitorado no 2º turno de 2018). Na XP/Ipespe (não sabe + não respondeu + branco + nulo + nenhum), esta soma indica 48%. No Datafolha (branco + nulo + nenhum + não sabe), a priori, 57% não se interessam por nenhum dos dois favoritos.
Militância incendiária
Há outros aspectos a considerar, como a rejeição, impeditiva no caso de Bolsonaro (54% contra 36% de Lula), conforme detectado pelo Datafolha. As nuvens da política, porém, se moverão muito rápido diante da tempestade que se forma no horizonte, dado o confronto inédito de dois populistas capazes de arrebatar militância ativa e cativa, às vezes canina. Milhões de seguidores fiéis com alta octanagem e o dedo em riste a sinalizar o confronto iminente.
Lula já enfrentou reveses aos quais poucos políticos sobreviveriam. Seu eleitor sabe de todas as acusações contra o operário que virou um dos maiores líderes populares da história do Brasil, chegando ao fato inédito de comandar uma eleição da cadeia. E conhece bem as virtudes que nele identifica.
Bolsonaro lidera um contingente conservador (ou reacionário, como definiu o Estadão em editorial da última terça, 18) que o admira por sua autenticidade. O capitão-mor nunca abandonou sua essência. Desde a campanha eleitoral fala à massa de seguidores o que ela quer ouvir, encarnando o antipetismo. Tirante uma revelação extraordinariamente impactante, deverá contar com este apoio até o início da campanha eleitoral do ano que vem.
Um vírus no meio do caminho
Entre os fatores tradicionais que podem alterar este cenário – não entram aqui novas denúncias de corrupção, a eventual sanha golpista dos fardados de fatiota e os arroubos intervencionistas do STF -, dois se destacam. Primeiro, a saúde. Segundo, a economia.
Como ensinou o presidente Fernando Henrique Cardoso (junto com Lula o único a vencer dois pleitos seguidos no Brasil democrático), os principais interesses do eleitor são inflação baixa, emprego em alta e poder de compra garantido.
A recuperação econômica, por sua vez, está diretamente ligada à vacinação contra o coronavírus. Afora a precípua questão humanitária que despreza, Bolsonaro cometeu um erro estratégico grosseiro ao não investir na compra de imunizantes em 2020, atrasando a aquisição das doses.
Perdeu a oportunidade de agradar a maioria absoluta da população. De acordo com a XP/Ipespe, 90% dos brasileiros vão se vacinar ou já se vacinou. Apenas 3% não vão se vacinar, contra 11% no início de 2021. Segundo o Datafolha, 75% consideram que o Governo Federal “demorou para comprar vacinas e perdeu boas ofertas de vacinas”.
Nestes dois quesitos, Lula nada pode fazer. A bola está com o presidente. Se o mandatário melhorar a percepção da economia e vacinar a maior parte dos brasilianos, parando de jogar contra a imunização, seu lugar no pódio do 2º turno está garantido.
O presidente conta com duas boas notícias recém-saídas do forno, ambas de 17/05/21. Estadão: “Economia surpreende e leva a revisão de projeções do PIB para este ano“. Valor: “Receita dos Estados resiste à 2ª onda e aumenta 21%“. Quando presidente, Lula, mesmo acossado pelo Mensalão, tirou partido da economia em crescimento e deixou o Governo com aprovação recorde.
Politicamente muito mais experiente e esperto do que o adversário, Lula jogará com os erros de Bolsonaro. Tentará convencer os cerca de 40% do eleitorado – os nem Bolsonaro, nem Lula – que, na ausência de um moderado autêntico, ele encarnará o Joe Biden brasileiro. Lula não é incendiário.
O moderado desconhecido existe?
Por enquanto, a movimentar o circo das eleições de 2022, como observou o cientista político Antonio Lavareda, dois ingredientes devem fazer flutuar os números das próximas pesquisas de intenção de voto. A CPI da Covid, com produção regular de notícias negativas para o Governo Federal, tende a reduzir o impacto positivo do Auxílio Emergencial, o qual interrompeu a queda nas avaliações do hodierno presidente, embora marginalmente.
A preferência do eleitor nativo por extremos aponta para uma eleição radicalizada com escaramuças nas ruas e indizíveis ataques nas redes antissociais. Por outro lado, a tendência por sufragar novidades, como vistas nas eleições de 2018 e 1989, abre caminho à terceira via.
Esta emergiria na figura do moderado desconhecido, quem poderia desbancar um dos dois ora favoritos e cacifar-se para o 2º turno. Por enquanto, ele não deu as caras. Talvez nunca apareça. Candidatos à Presidência da República não se fabricam nas avenidas endinheiradas de São Paulo ou nas vias ensolaradas do Rio de Janeiro. São fruto da empolgação, em boa parte irracional e emotiva, das ruas.