A possibilidade de cassar o mandato de um presidente eleito no Brasil está sempre na ordem do dia. Desde o primeiro presidente eleito sob a égide na constituição de 1988, a deposição foi cogitada.
Jair Bolsonaro, o hodierno mandatário, também enfrenta esta possibilidade. Seus deliberados e constantes atritos com os demais poderes, sua decantada pregação golpista, seu desprezo pela legalidade e sua opção pelos conflito e isolamento políticos o credenciam à perda do mandato.
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Tristemente rotineiro, o impeachment presidencial não acontece por combustão espontânea. Algumas condições são necessárias antes do sempre traumático desfecho.
A deterioração da economia deve ser severa e sem perspectivas de melhora, o Parlamento precisa formar uma ampla maioria ao lado das ruas, que necessitam clamar pela queda do mandatário. Além disso, a Corte Suprema, que tem o poder de barrar o processo, não pode oferecer resistência.
Finalmente, é preciso haver aquiescência da caserna. Até aqui, nenhuma pré-condição foi contratada, como o leitor já leu n’Os Divergentes.
Bolsonaro tem apoio minoritário, mas sólido de algo como 30% da população. Além disso, conta com o Centrão, aquele grupo de políticos heterogêneo na composição, mas homogêneo nas intenções.
Dupla cassação
Afora o impeachment (crime de responsabilidade), modelo de deposição utilizado contra os presidentes Fernando Collor e Dilma Rousseff, há outras duas possibilidades de cassação do mandato presidencial. Ambas, responsabilidade do Judiciário.
Nas “infrações penais comuns” cabe ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar. Nos crimes eleitorais, a prerrogativa é do Tribunal Superior Eleitoral.
Esta última alternativa tem o condão de cassar a chapa presidencial. Ou seja, os sete juízes do TSE podem depor legalmente o presidente Jair Bolsonaro e seu vice, Hamilton Mourão. Esta é a temeridade.
Na hipótese do capitão-mor ter seu mandato cassado, a Constituição nativa prevê uma solução conhecida. O vice-presidente assume a Presidência da República até o final do mandato.
Foi o caso de Itamar Franco, vice de Collor, e Michel Temer, vice de Dilma. Ou seja, quando deputados e senadores aprovaram o impeachment e a perda de mandato de Collor e Dilma sabiam quem assumiria o comando do País.
Não é o que acontecerá se a chapa Bolsonaro-Mourão for cassada. O Brasil entrará no limbo, sem saber quem governará definitivamente o País. Mas há aspectos ainda mais imbricados.
A instabilidade institucional iria além da incerteza sobre quem seria o novo mandatário, pois a escolha do sucessor dependeria da data da deposição. Se ocorrer até o dia 31 de dezembro de 2020, nova eleição geral será convocada em 90 dias. Se ocorrer a partir de 1º de janeiro de 2021, a eleição será indireta, via Congresso Nacional, em 30 dias.
Em qualquer hipótese, o presidente da Câmara assumirá o controle do País durante a transição. Atualmente, Rodrigo Maia, crítico contumaz do primeiro mandatário, cujo mandato expira em janeiro de 2021.
Cai o general
Parafraseando um famoso cantor capixaba, são muitas as incertezas. Mas há aspectos ainda mais imbricados.
Os militares sempre estiveram presentes em decisões de crises agudas no pós-ditadura militar desde a morte de Tancredo Neves, em 1985, quando concordaram com a posse do vice eleito pelo Colégio Eleitoral, José Sarney. O mesmo aconteceu com as quedas de Collor e Dilma, quando também os fardados foram consultados.
Agora, em 2020, o quadro é mais dramático. Depor isoladamente Bolsonaro é afastar um capitão rebelde que há mais de 30 anos deixou os quartéis e enveredou pela vida política, quando confessadamente se envolveu com milicianos. Tarefa, por si só, muito difícil.
Cassar a chapa presidencial eleita por 57,7 milhões de eleitores, em 2018, é afastar também um general 4 estrelas, que passou 46 de seus 66 anos de vida dentro dos quartéis. Há apenas dois anos na vida civil, o quepe do general ainda deve estar pendurado num cabide à entrada do Palácio do Jaburu.
Governo fardado
Fosse somente o general Mourão, já teríamos um empecilho de alta envergadura. Mas há aspectos ainda mais imbricados.
O atual governo está coalhado de fardados de fatiota, inclusive da ativa. Remover a chapa Bolsonaro-Mourão representaria a reprovação dos militares que saíram dos quartéis para ocupar a Esplanada dos Ministérios?
Remover apenas o presidente significaria preservar os militares no poder. Cassar a chapa equivaleria a mandar os milicos de volta aos quartéis, como se tivessem fracassado na tentativa de reconstruir o País arrasado por grave crise econômica e uma gestão carcomida pela corrupção, heranças de governos anteriores.
Caso a Justiça brasiliana atuasse apenas com base na hermenêutica esta análise seria inócua, já que a sentença se restringiria à interpretação das leis. Não é o que sucede no Brasil.
Sobretudo nos tribunais superiores, onde os juízes que os constituem precisam aprender a fazer política para lá chegarem. O afastamento do presidente passará, assim, pela militância política da magistratura. O que virá depois, pelo ineditismo, não se sabe.