Os governadores perderam outra oportunidade de ver seus problemas fiscais mitigados. Incluir os servidores estaduais e municipais na reforma da previdência facilitaria a vida dos atuais e futuros mandatários regionais.
E a conta ficaria com Brasília. Ao fazer o anúncio, de forma inopinada, na terça, 21, o presidente Michel Temer devolveu o abacaxi aos seus donos.
A ampla reforma previdenciária não foi a primeira vez em que Temer aceitou assumir a paternidade das maldades inescapáveis. No final de 2016, ele quis decidir de uma tacada as exigências para que estados perdulários recebessem ajuda da União. Tratava-se de medida impopular, de difícil aprovação, mas saneadora.
No lugar de buscar aliança com o presidente, governadores se fingiram de mortos. Sabiam que dificilmente aprovariam em seus estados medidas que sofrem forte resistência de corporações, como a venda de ativos e a redução de privilégios do funcionalismo. Mesmo assim preferiram escafeder-se.
Enfrentar uma única batalha, no Congresso Nacional, onde o presidente exerce forte influência, seria mais fácil do que 27 contendas em Assembleias Legislativas. Mantiveram-se em silêncio conveniente, o que deixou suas bancadas no Parlamento sob a influência de corporações estaduais. Organizadas, estas venceram de novo.
Temer pode ter tido mais de uma razão para retirar do texto da PEC 287 a referência aos estados. Facilitar a aprovação da reforma, reduzindo a resistência dos deputados federais, foi uma delas.
A eficácia da estratégia temerista, porém, é duvidosa. No campo político, piscou primeiro. No campo econômico, toda a vez que estados se veem às voltas com seus erários deficitários correm para o remanso da União, o único que pode fabricar dinheiro.
Regalias preservadas
Apesar do desconforto, Temer assumiu a vestimenta de presidente impopular. Em paralelo, vergou a indumentária de reformista como marca de seu governo-tampão. Maquiavelicamente se dispôs a votar reformas antipáticas, geralmente guiadas pela ortodoxia em oposição ao malabarismo criativo dos últimos 13 anos.
Parece, no entanto, que o papel do qual se incumbiu, tem limites. Pior para os governadores.
Os privilégios dos servidores, que muito aos poucos vão sendo corrigidos no plano federal, permanecem em boa parte das unidades da federação. Com eles, a receita vai sendo corroída pela própria máquina estatal.
Em vez de servir ao cidadão, o Estado parece existir para servir a si mesmo e a seus apaniguados. Perde a cidadania.
E perde-se um dos pilares essenciais do que seria a nova previdência. Direitos e deveres iguais para todos.
A convergência dos sistemas para um único fica agora capenga. Incluindo os integrantes das Forças Armadas, que já estavam preservados, serão agora 5,36 milhões de servidores a preservar suas regalias.
Quer dizer, enquanto as viúvas do INSS correm o risco de ver seu benefício reduzido aquém do salário mínimo e trabalhadores rurais são forçados a envergar uma enxada até o fim de seus dias, uma casta será mantida num mundo à parte. Aposenta-se cedo e com gordos rendimentos.
É esta situação injusta que os mandatários regionais, talvez por esperteza, quiçá por pusilanimidade, ajudam a preservar. Não sem o apoio do presidente, que cedeu talvez muito cedo, e do Congresso Nacional, que se submete a conveniências enquanto luta para se safar da Lava-Jato. Todos a jurar que defendem os pobres e oprimidos.
Publicado no Blog do Moreno / O Globo.