O pungente desabafo do senador Fabiano Contarato (ES) na CPI da Covid na última quinta, 30 de setembro, foi além da comoção. Em entrevista à jornalista Julia Lindner, o capixaba advertiu que o presidente Jair Bolsonaro provocou o desabrochar de intolerantes enrustidos.
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“As pessoas se sentem legitimadas pela conduta do presidente. Quando ele faz uma fala homofóbica, ele legitima as pessoas a reverberar aquilo que há de pior no ser humano. Antes do presidente, não que isso não existisse, mas as pessoas ficavam mais comedidas para verbalizar ou ofender, seja fisicamente ou moralmente. Isso é muito grave”, refletiu.
A direita fora do armário
Leitores d’Os Divergentes já viram aqui raciocínio semelhante. Tirar a chamada direita do armário é o principal legado de Bolsonaro. A eventual derrocada do comandante nas eleições presidenciais de 2022 não dissipará a tropa bolsonarista, de cara pintada e armada para o confronto.
Embora sintético, o raciocínio do senador leva a duas conclusões, a da legitimidade e do agrupamento.
Bolsonaro destampou sentimentos reprimidos pelo intenso patrulhamento ideológico – hoje ainda mais ativo e encampado pela imprensa tradicional. A ironia do empresário Otávio Fakhoury a respeito do senador, exposta pelo Twitter, nada tem de novidade. Caçoar de gays, mulheres, negros, gordos, japoneses, baixinhos é culturalmente corriqueiro entre brasilianos. Bolsonaro não foi o primeiro a debochar de gays e a piada de Fakhoury não será a última.
Tampouco estas agressões se resumem à chamada direita. Provavelmente em grau diverso, veem-se atitudes racistas, misóginas e homofóbicas dentro da chamada esquerda. Entretanto, devido à patrulha ostensiva e à interdição do debate, as pilhérias geralmente se restringem a grupos fechados e rodas etílicas.
Acomodado do outro lado do balcão, sem quaisquer melindres, os ataques do capitão-mor emprestam legitimidade a investidas deste tipo, como apontou Contarato. Se o presidente pode, por que não podemos todos? Bolsonaro escancarou a porta entreaberta que mantinha parcialmente confinados preconceitos de todos os formatos. Hoje, na chamada direita as investidas transbordam os grupos fechados e as rodas etílicas, ganhando escala nas redes antissociais.
Da primeira infere-se a segunda conclusão. O presidente da República não inventou os haters. Emprestou sua voz e seus tweets ao ódio e à intolerância camuflados de moralidade e religiosidade. Ser de extrema-direita, o que causou constrangimento durante décadas, virou ostentação. Estes militantes abriram as portas do armário e viram que não estavam sós. A direita, então, perdeu a vergonha.
Caso se movessem por pautas artificiais, os milhões de seguidores de Bolsonaro talvez mirrassem quando seu líder deixar a Presidência da República. Como as bandeiras político-culturais são reais, esta militância deverá permanecer ativa e unida. Vide o trumpismo nos EUA, que não desapareceu com a derrota do republicano Donald Trump nas eleições presidenciais de 2020, quando perdeu para o democrata Joe Biden.
Alternância de extremos
Intumescido pela união de milhões de pensamentos e vontades convergentes, o extremismo aglutinado pela liderança de Bolsonaro choca-se com seu principal adversário. O petismo, na chamada esquerda, com milhões de seguidores, igualmente flerta com regimes autoritários, onde o poder é hegemônico e perene.
Com um ou outro no Poder Central difícil antever ânimos serenados e espíritos apaziguados. Enquanto os extremos se alternarem no poder, a trégua ou, mais difícil, o convívio civilizado entre brasilianos permanecerá distante ilusão. Não se espere paz com rivais raivosos na arena e torcidas incendiárias na arquibancada.