Certo, Lula já venceu, mas…

Uma mistura de estatística e desejo impulsiona a conclusão de que Bolsonaro já era. Na ausência do moderado desconhecido, Lula, no outro extremo político, já poderia, então, encomendar a fatiota da posse

Luiz Inácio Lula da Silva, ex-presidente do Brasil, quer assumir a Presidência da República pela terceira vez - Foto: Ricardo Stuckert / Divulgação

As pesquisas de intenção de voto e a torcida antibolsonarista da maioria nas redações da mídia tradicional apontam que o presidente Jair Bolsonaro (PL) não vai se reeleger nas eleições programadas para outubro deste ano. Ao mesmo tempo, sugerem que o PT do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) voltará a presidir o Brasil a partir de janeiro de 2023.

O vaticínio é sustentado em quatro premissas principais. Primeira, a análise alicerçada nas pesquisas estimuladas de intenção de voto, não nas espontâneas. Segunda, a torcida antibolsonarista majoritária embacia a visão crítica. Terceira, parcela expressiva dos jornalistas tem simpatia pela chamada esquerda. Quarta, por enquanto, Lula é o único nome com estofo para derrotar Bolsonaro.

Como ponta de lança do antibolsonarismo, Lula leva vantagem para encerrar um dos períodos mais obscuros e retrocessivos da história do Brasil. Ironia. Os malfeitos do PT foram determinantes para a vitória de Bolsonaro em 2018; em 2022, o desgoverno do capitão-mor pode catapultar a volta de Lula ao Poder Central. Coisas de um país que gosta de extremismos e despreza a moderação na política.

Num dos aspectos analíticos mais objetivos, a intenção de voto espontânea, pouca coisa mudou se comparado à análise divulgada n’Os Divergentes há cerca de três meses. Desta vez, quatro pesquisas coletadas em dezembro de 2021 são cotejadas – Datafolha, Quaest, Ipespe e Ipec.

No Datafolha, metade dos eleitores não escolhe nem Lula nem Bolsonaro quando a manifestação é espontânea

Dois dados essenciais são considerados: a intenção de voto (espontânea) e a rejeição (estimulada). O terceiro elemento comparativo é o número de pesquisados classificados como nem Bolsonaro-nem Lula (nem-nem).

O objetivo aqui é exibir a variação destes dados entre os quatro levantamentos. A variação percentual (%) e em pontos percentuais (p.p.) entre os números coletados pelas quatro empresas não é desprezível.

Rejeição

O número que mais aproxima os quatro levantamentos é a rejeição de Bolsonaro. Entre o menor (55%, Ipec) e o maior percentual (64%, Quaest), a variação é de apenas 16%. Datafolha (60%) e Ipespe (62%) pouco diferem dos demais. Ou seja, se quiser reeleger-se, o mandatário precisa transpor esta barreira. Entretanto, seus movimentos até aqui, mirando basicamente seu nicho de seguidores, vão no sentido contrário. De qualquer jeito, esta rejeição substancial não o impede de chegar ao segundo turno, quando o confronto tende a maior radicalização.

O Ipec capturou a alta rejeição do presidente Jair Bolsonaro, muito superior a dos demais candidatos

A rejeição de Lula entre estas quatro pesquisas varia mais, 57% entre a menor e a maior. De 28% (Ipec) para 44% (Ipespe). Datafolha (34%) e Quaest (43%) completam o quadro comparativo. O petista atinge, assim, um dos requisitos matemáticos para vencer, pois em todas as enquetes tem menos de 50% de rejeição. Como se sabe, para eleger-se o candidato precisa obter 50% + 1 dos votos válidos.

A variação em p.p. entre as rejeições de Bolsonaro e Lula captada por cada uma destas pesquisas também não é menosprezável. A variação nas rejeições apuradas nos quatro levantamentos é de 50%, sendo o Ipespe (18 p.p. separando os dois candidatos) a menor e o Ipec (27 p.p.) a maior. O Datafolha contabilizou 26 p.p. e a Quaest, 21 p.p.

Espontânea

Nas manifestações espontâneas, as variações entre as enquetes também são expressivas. Neste quesito, Lula varia de 23% (Quaest) para 40% (Ipec); 74% de variação entre as pesquisas com menor e maior percentual. Lula tem 32% no Datafolha e 36% no Ipespe.

No voto espontâneo, Bolsonaro tem variação de 53%: 15% (Quaest) para 23% (Ipespe). O presidente tem 18% no Datafolha e 20% no Ipec. Há aqui uma ressalva importante. Considerados os últimos levantamentos, Bolsonaro apresenta estabilidade em seus números, pressupondo uma base fiel. A vantagem de Lula é que seu contingente de manifestações espontâneas apresenta curva ascendente, como observou o cientista político Antonio Lavareda.

Desde fevereiro de 2021, o número de intenções de voto espontâneas em Lula está em ascensão, aponta o Ipespe

A variação em p.p. entre os votos espontâneos de Lula e Bolsonaro é muito expressiva, de 150% entre a menor e a maior. Enquanto a Quaest aponta diferença de apenas 8 p.p., o Ipec captou 20 p.p. separando os dois candidatos. Datafolha (14 p.p.) e Ipespe (13 p.p.) auferiram diferenças intermediárias.

Nem-nem

O contingente dos nem-nem também apresenta diferenças substanciais entre as quatro enquetes. Ipec e Ipespe registram, respectivamente, 40% e 41% de eleitores com outras opções que não Lula ou Bolsonaro (não sabe, não respondeu, nenhum, indecisos, não pretende votar, nulo, branco, outro candidato). O Datafolha crava 50% de nem-nem, enquanto a Quaest, 62%. Há quatro meses, estes números eram 50% (Ipespe), 53% (Datafolha) e 62% (Quaest).

Número expressivo de eleitores não optou por nenhum candidato, revela a pesquisa da Quaest

Afora a rejeição de Bolsonaro, onde a convergência entre as quatro empresas é expressiva, os demais números variam sobremaneira. Os dados, que não surpreendem, reforçam a volatilidade do ânimo dos eleitores – fonte de resultados eleitorais imprevisíveis – e as distinções metodológicas.

Antipetismo x antibolsonarismo

De um modo geral, as intenções de votos espontâneas não garantem a vitória de Lula nem excluem a possibilidade de Bolsonaro passar do 1º (02 de outubro) para o 2º turno (30 de outubro). Lula evidentemente está mais bem posicionado, mas longe de ter a vitória assegurada.

À medida que se consolidar como o anti-Bolsonaro e caso os altos índices de rejeição do presidente da República se preservem, Lula vai sedimentar, por mérito e exclusão, cada vez mais apoio. Bolsonaro, por seu turno, contará com o antipetismo (que presumivelmente estimulará) e o erário sempre disponível aos mandatários plantonistas. Por enquanto, os demais candidatos têm a função de forçar o 2º turno; o moderado desconhecido continua enrustido.

Para além dos números colhidos é preciso levar em conta que os humores dos eleitores variam sobremodo. As definições dos votos se solidificam durante a campanha eleitoral (oficialmente, a partir de 16 de agosto). É quando desperta no eleitor a certeza de que o confronto com a urna é inevitável e a definição dos rumos do próximo quatriênio, incontornável.

+ A pesquisa Datafolha foi realizada presencialmente entre os dias 13 e 16 de dezembro de 2.021 com 3.666 pessoas. A margem de erro é de 2,0 p.p.

+ A pesquisa Genial / Quaest foi realizada presencialmente entre os dias 02 e 05 de dezembro de 2.021 com 2.037 pessoas. A margem de erro é de 2,2 p.p.

+ A pesquisa Ipespe foi realizada por telefone entre os dias 14 e 16 de dezembro de 2.021 com 1.000 pessoas. A margem de erro é de 3,2 p.p.

+ A pesquisa Ipec foi realizada presencialmente entre os dias 09 e 13 de dezembro de 2.021 com 2.002 pessoas. A margem de erro é de 2,0 p.p.

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