Guardando coerência com outro cacoete eleitoral, o de que nenhum político presta, repete-se à exaustão que nenhum candidato tem proposta. Ou seja, são todos ruins e não têm o que dizer.
Diante destes postulados, causa espécie que tantos avanços tenham surgido do Parlamento brasileiro desde que a hoje exótica Lei do Divórcio foi aprovada pela Câmara dos Deputados, em 1977. Lei Maria da Penha, Código de Defesa do Consumidor, Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei dos Crimes Ambientais, Lei do SUS, Lei Antimanicomial, Lei Anticorrupção, Lei da Ficha-Limpa, Estatuto da Igualdade Racial, Lei de Responsabilidade Fiscal, etc. etc.
Diante do enorme avanço legal promovido pelo Congresso Nacional, jornalistas e cientistas políticos sacam uma resposta pronta. Não fizeram isto por iniciativa deles, mas por pressão popular.
A premissa é falsa. Boas iniciativas brotam do Parlamento.
Mas, mesmo que fossem todas frutas exclusivas da pressão popular, evidenciariam que o Parlamento está exercendo seu papel. Qual seja, atender aos anseios da cidadania.
Eis uma característica inextrincável do Parlamento. Sua permeabilidade à pressão popular é única.
O Executivo tem porção infinitamente menor de permeabilidade popular. O Judiciário, por sua vez, está acessível quase somente a advogados de clientes endinheirados.
Dependência do Legislativo
Na hodierna corrida presidencial, as propostas vão surgindo à medida que a campanha eleitoral avança. Se não parecem exequíveis ou não são prioritárias cabe aos jornalistas averiguar e aos eleitores julgar.
Numa entrevista recente, o entrevistador quis saber qual será a idade mínima adotada numa reforma da previdência. Embora seja aspecto relevante, importa antes saber se o candidato pretende tratar a elite do funcionalismo da mesma forma que a plebe do INSS.
Quando finalmente se rendem à evidência de que há propostas, jornalistas classificam-nas de superficiais e pouco detalhadas. Ora, dois aspectos tornam difícil, ou inútil, o detalhamento extenso.
Primeiro, o erário federal está exaurido. Segundo, boa parte das ações relevantes depende do Parlamento, cuja composição futura é uma incógnita, mas certamente será multipartidária.
Assim, o Congresso
Nacional de 2019-2022 muito provavelmente levará o próximo mandatário a negociar interesses paroquiais em troca do voto – como soeu acontecer nos últimos anos. Logo, a idade mínima para o descanso remunerado será necessariamente acertada com os novos parlamentares – ou velhos, a depender da vontade do eleitor em alterar o perfil congressual que tanto critica.
Liberais e intervencionistas
Todos têm propostas detalhadas? Não.
Isto deve se refletir num eventual governo de Jair Bolsonaro (PSL). Tirante a linha dura com criminosos, seu mandato será uma incógnita.
Eis um diferencial importante que deve ser evidenciado. Ao contrário do capitão da reserva, Fernando Haddad (PT), Geraldo Alckmin (PSDB) e Henrique Meirelles (MDB), para ficar nos três partidos mais importantes, apresentam maior clareza programática.
Sinteticamente, Alckmin e Meirelles representariam governos inclinados ao liberalismo, às privatizações e ao maior rigor fiscal. Já Haddad – embora sua dependência quase absoluta de Lula (PT), seu idealizador e mentor – provavelmente adotará a linha estatizante e de preservação do estado gigamenso e intervencionista.
- Leia também: Silêncio, 57 milhões de eleitores pensando
Com base nos programas de governo, além de entrevistas bem-feitas, é possível antecipar outras promessas. Por exemplo, alguns presidenciáveis vão privatizar muito, outros menos, outros não vão privatizar nada, outros vão criar mais estatais.
Há propostas aos borbotões. Substituir 5 impostos pelo IVA, implantar a educação integral no ensino médio, adotar o marco regulatório da comunicação, reduzir a maioridade penal, elevar os investimentos em pesquisa e inovação para 2% do PIB, criar 10 milhões de empregos em 4 anos, assegurar o controle nacional da Embraer, criar o médico federal, acabar com o voto obrigatório, adotar negociações comerciais bilaterais etc. etc.
“Enfim, o eleitor pode achar
que todos os gatos são pardos
como pregam cientistas políticos
e repetem jornalistas. Mas não são.”
Quem acha que não há propostas pode responder a uma pergunta simples. Caso PT ou PSDB assumam o governo em 2019 é possível apontar as diferenças entre os dois?
Se sua resposta “é óbvio que vão ser governos diferentes” é porque existem diferenças explícitas entre os dois partidos. Se responder “não sei” ou “é tudo a mesma coisa”, repasse a história dos 22 anos em que a dupla siamesa governou o Brasil e leia as propostas registradas no TSE.
Reformas: manter ou revogar
Insistir no cacoete equivocado de que os candidatos não têm propostas prejudica a escolha dos eleitores, pois desestimula a comparação. Há alguma dúvida de quem vai estar mais ligado às reivindicações dos grandes proprietários rurais e dos pequenos agricultores?
Quem, leitor, vai manter o Teto de Gastos? Quem vai taxar grandes fortunas? Quem vai revogar a reforma trabalhista? Quem vai promover a reforma previdenciária? Quem vai adotar o modelo australiano de financiamento do ensino superior? Quem vai fomentar a energia eólica e solar? Quem vai adotar a taxa de desemprego como meta do Banco Central?
Os que quiserem se debruçar sobre as promessas dos candidatos vão se deparar com cartapácios como o de Guilherme Boulos (PSOL), com 228 páginas, e planos sintéticos como o de Vera Lúcia (PSTU), de 5 páginas. Basta clicar na página do TSE para ler o que prometem os 14 postulantes à Presidência da República.
Esta, porém, é apenas uma parte das promessas dos candidatos. Entrevistas, sabatinas e debates propiciam outra valiosa fonte de informação.
Enfim, o eleitor pode achar que todos os gatos são pardos como pregam cientistas políticos e repetem jornalistas. Mas não são.
Os candidatos não são todos iguais (cacoete número 1). Os candidatos têm propostas (cacoete número 2).
Desconhecer estas evidências é como andar num metrô de Copenhague e ignorar a execução de Peer Gynt, de Grieg, cujo vídeo pode ser visto no link abaixo.