Os cidadãos brasilianos têm dez meses para decidir quem será o presidente da República a partir de 2023. Doravante, os postulantes ao cargo mais importante do País serão perscrutados pelos eleitores, os quais ampliarão seus interesses à medida que a eleição se aproxima.
Donde se depreende, na mais elementar regra eleitoral, que os pré-candidatos precisam chamar a atenção e, em seguida, cativar o eleitor. Os dois principais, o presidente Jair Bolsonaro (PL) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), levam vantagem, pois despertam o interesse dos meios de comunicação com enorme facilidade.
Resta a ambos, assim, cativar os votantes.
Nenhum deles é neófito, sabem vencer eleições. Portanto, surpreende que, enquanto Lula parece aprumar o passo para ampliar os apoios à sua candidatura, Bolsonaro age no sentido contrário.
Ditaduras, pra que vos quero?
O petista rateou quando declarou apoio a ditaduras, como as da China e da Nicarágua, e quando voltou a cogitar a censura à imprensa, obsessão do PT. Imprensa livre, em que pesem suas parcialidades, é uma contenção necessária a qualquer governo, à destra e à sinistra.
Parte deste discurso raiz é voltado à base de apoio para mantê-la motivada; parte é estratégia ideológica. Porém, esta parcela do eleitorado não garante os 50% mais 1 voto necessários para vencer o pleito.
Lula avança devagar e com a tranquilidade de quem lidera as pesquisas de intenção de voto. A aliança com o ex-governador Geraldo Alckmin (PSDB), cogitado como candidato à vice-presidente, pode ser insuficiente, mas é uma tentativa nítida de exibir moderação e despertar confiança para além de seu público cativo.
Lula sabe disto tão bem que, como presidente da República, desde o começo do primeiro mandato (2003) procurou outros partidos para assegurar a governabilidade. Como fez o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) – junto com o petista, os únicos mandatários brasilianos que se reelegeram e completaram seus mandatos.
Tirar vacina de criancinha
Bolsonaro joga como sabotador de sua reeleição – antes, ele tentara sabotar a urna eletrônica, mas esta é outra história. Apesar dos três anos de seu mandato desastroso em aspectos econômicos, sociais e sanitários, a regra em democracias é a recondução do mandatário – mesmo em regimes parlamentaristas, onde o primeiro-ministro não é eleito diretamente pelos eleitores. Um governo mediano, mas conhecido, é menos surpreendente do que um opositor demagogo e/ou desconhecido. Além disto, quem pleiteia a reeleição tem a chave do cofre, ativo sempre relevante na disputa eleitoral.
Ao tentar agradar sua base policialesca, o hodierno mandatário desagradou todo o restante do funcionalismo e, provavelmente, não levou um voto a mais para a urna. Entre outras estratégias disponíveis, o presidente poderia ter negado o aumento dos vencimentos da tropa (com emprego estável e muito bem remunerada vis-à-vis os trabalhadores) argumentando que os dinheiros do Erário estão escassos. E, em momentos de crise, com desemprego alto, seu dever era garantir renda para quem não tem renda.
Contrariando seus ídolos, os generais-ditadores, Bolsonaro persiste investindo contra a vacina do coronavírus, desta vez sabotando o imunizante que pode salvar a vida de crianças e dos adultos que com elas convivem. Caso se espelhasse na ditadura militar do Brasil em vez de informar-se pelas redes antissociais, o presidente perceberia que, diferente de cidadãos de países desenvolvidos, os brasilianos confiam em vacinas. Ao negar vacina para crianças, Bolsonaro perde tempo e votos.
Num outro desatino, perdeu a oportunidade de mostrar aos nordestinos, gravemente afetados pelas chuvas de verão, que eles também são brasileiros e poderão contar com o Governo Federal para reconstruir suas vidas destruídas pelas enchentes. Preferiu produzir uma imagem de autosabotagem ao ser visto dançando funk e conduzindo um jet ski, ironicamente sobre águas tranquilas distantes dos aluviões que assolam o Nordeste.
Oposicionista amigo
Não é do feitio de Bolsonaro ouvir os que o contrariam ou quem não seja seu filho, tampouco estudar a história de líderes bem-sucedidos. Se fosse, recordaria como seu principal adversário venceu duas eleições, elegeu outras duas vezes uma política desajeitada e comandou, da cadeia, uma chapa encabeçada por um sujeito sem carisma.
Em 2010, de viagem marcada para o Canadá, onde participaria de reunião do G-20, o presidente Lula cancelou a agenda internacional para acompanhar in loco as enchentes que inundavam estados nordestinos. Entre os governadores que mereceram sua atenção, Teotônio Vilela Filho (PSDB), de Alagoas, originalmente oposicionista. Dois anos depois, quando Lula estava acossado pelo escândalo do Mensalão, Téo Vilela viajou até São Paulo para solidarizar-se com o então ex-presidente da República. O tucano era “grato à postura republicana, solidária e parceira” do ex-mandatário.
Se prosseguir sabotando sua própria reeleição, Bolsonaro facilita o caminho da volta de Lula ao Palácio do Planalto. Pode ser coisa de apedeuta, incapaz de aprender com erros e acertos, seus e de outrem. Ou, numa hipótese sombria, diante da proximidade da derrota eleitoral, prepara-se para sabotar não a eleição, mas a democracia brasiliana.