Muita crítica pode ser desferida contra o presidente Jair Bolsonaro nestes sete meses de mandato. Mas não se pode dizer que lhe falte autenticidade.
As sandices, algumas cruéis como o ataque ao presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, cujo pai, Fernando, desapareceu nos porões da ditadura militar, representam o que ele sempre foi. Bolsonaro é isso aí, um desbocado autêntico.
Durante seus 27 anos de deputado federal, o capitão-mor agiu como um vereador federal. Suas ações parlamentares eram restritas a poucos temas, como a defesa da caserna e liberação do porte de armas.
Nunca foi parlamentar de se aprofundar nos grandes debates nacionais – o que, aparentemente, não mudou. Caminhava pelos corredores da Câmara sem ser perturbado pela imprensa, a não ser que o repórter buscasse frases de efeito.
Suas diatribes tampouco são novas. Em 1999, numa conhecida entrevista, disse que fecharia o Congresso Nacional.
Com a mesma desenvoltura que tem hoje, defendeu uma guerra civil para completar “o trabalho que o regime militar não fez”. Trombeteou um macabro vaticínio: “Matando uns 30 mil, começando pelo FHC [à época, presidente do Brasil]. Não deixar ele pra fora, não. Matando”.
O destampatório chegou ao ápice no instante seguinte. “Se vai morrer alguns inocentes, tudo bem. Tudo quanto é guerra morre inocente”.
Liturgia pra quê?
Qual a diferença do deputado Bolsonaro para o presidente Bolsonaro? O poder, já que hoje ele é a pessoa mais poderosa do País.
De resto, o capitão-mor não mudou. “Sou assim mesmo”, disse o presidente à jornalista Jussara Soares, numa entrevista espontânea, sem planejamento.
Lula, seu antípoda no confuso espectro político brasiliano, igualmente teve seus destemperos antes de eleger-se presidente da República. O sapo barbudo, no entanto, foi se metamorfoseando até conquistar o poder máximo.
Na presidência do Brasil, Lula não jogou fora seus ideais, embora tenha adaptado muitos conceitos. Aprendeu, porém, a moderar sua verve, mais sofisticada do que a do capitão-mor.
Lula aprendeu que o cargo exigia liturgia, que tinha que se relacionar com o Parlamento, que deveria ceder se quisesse aprovar suas propostas. Lula sabia que precisava negociar com os vencidos.
“Bolsonaro não mudou.
É o que sempre foi.
A menos que alguém se disponha a dar aulas de etiqueta
e compostura a Bolsonaro, acostumemo-nos”.
No embalo do poder, o PT de Lula perdeu-se nos desvãos da corrupção, como provaram o Mensalão e a Lava-Jato. No jogo político, porém, Lula não agiu muito diferente do que fez seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso.
FHC, mais moderado do que Lula, também entendia que não poderia governar sem uma aliança robusta no Parlamento. Seu PSDB buscou o PFL, assim como o PT aliou-se ao PMDB e ao PP.
Guinada histórica
Ambos, FHC & Lula, completaram seus mandatos e lideraram mudanças importantes nos campos social e político. Durante os 16 anos que mandaram no Brasil portaram-se, na maioria das vezes, como presidentes da República.
Não se espere de Bolsonaro esta postura litúrgica & este traquejo político – e, aqui, não se fala em compra de apoio parlamentar. Governar, numa democracia, implica ceder espaço, contemporizar e ouvir aliados e opositores, características distantes do modo, digamos, tosco do atual mandatário.
Bolsonaro não mudou. É o que sempre foi. Como não há escola de etiqueta para presidentes, acostumemo-nos.
O que mudou foram os eleitores, que, em 2018, deram uma brusca guinada na política brasileira. Depois de seis eleições optando por escolher a chamada esquerda para ocupar o Poder Central, os brasileiros manobraram em 180º os destinos brasilianos.
A propósito, no encerramento do vídeo em que defende a morte de “30 mil”, Bolsonaro avisa: “Sou uma pessoa sincera”. Parece não haver dúvida.